Covid-19, a pandemia do coronavírus, causou enorme estresse na população que, ansiosa por técnicas e produtos capazes de combater o vírus mortal, acabou refém de notícias conflitantes – como é o caso da eficácia da medicação cloroquina – e dos anúncios chamativos sobre produtos revolucionários.
O uso das nanopartículas de prata como agente antiviral é campo propício para isso: as propriedades antimicrobianas da prata e do cobre têm sido demonstradas há milênios; fenícios e romanos usavam vasos desses metais para purificar a água e preservar o leite. As nanopartículas, por terem uma área de superfície muito aumentada em relação ao seu volume, apresentam um aumento espetacular das propriedades físico-químicas. Há 15 anos, laboratórios de pesquisa em todo o mundo anunciavam empolgados que um novo mundo, submiscroscópico, estava surgindo: o mundo da nanoescala.
A rapidez com que a indústria passou a incorporar nanopartículas em seus produtos ultrapassou em muito a velocidade com que se coletavam dados sobre os riscos tóxicos para o meio ambiente e saúde. Como na maioria dos países, a regulamentação da nanotecnologia não avançou: o primeiro Projeto de Lei de No. 5076 de 2005 foi abandonado. Em 2013, foi apresentado novo Projeto de Lei de No. 5133, atualizado no mesmo ano pela incorporação do Projeto de Lei de No. 6741 que se encontra em trâmite até hoje.
Mesmo sem legislação específica, foi aprovado no dia 19 de Fevereiro último o Marco Legal da Nanotecnologia pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. O objetivo é: “criar, integrar e fortalecer ações governamentais para promover o desenvolvimento científico e tecnológico da nanotecnologia”.
Com a pandemia vigente, surgem produtos usando as nanopartículas de prata e apresentados ao público como forma efetiva e segura de combater o coronavírus: desde tecidos a serem usados em máscaras, toalhas, estofamento de assentos, até álcool gel e sprays. Seria de enorme benefício público se, usando a bandeira tão em moda no mundo corporativo – a sustentabilidade – explicassem o porquê de tamanha preocupação por parte de cientistas e órgãos reguladores. Três questões fundamentais precisam de respostas:
1- Risco à saúde humana:
O relatório do Comitê Científico da União Europeia de Junho de 2014 diz que as nanopartículas de prata adquiridas via oral ou respiratória têm depósito preferencial nos rins, fígado e baço. No caso das nanopartículas estarem no sangue, o sistema mais atingido é o autoimune. Como haviam naquela época relatos de efeitos genéticos tóxicos, a Comissão Científica recomenda que estudos adicionais fossem feitos sobre esse risco.
Para citar uma das referências nacionais, no VII Workshop de Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio – Embrapa Instrumentação, São Carlos, 10 a 13 de Junho de 2013, foi apresentado nas conclusões: “Resultados nos testes de toxicidade sugeriram, inicialmente, degeneração celular no fígado de ratos machos causada pelas nanopartículas de prata.”
2- Risco ao Meio Ambiente:
O Comitê Científico da União Europeia adverte: “Ao avaliar a fase final de vida dos produtos contendo nanopartículas de prata, é assumido que o tratamento dos resíduos (reciclagem, tratamento de água, aterros e incineração) seja similar ao dos produtos convencionais. Consequentemente, a prata nos resíduos não reciclados vai terminar no meio ambiente, como resíduos sólidos em aterros, como emissão a partir das unidades de tratamento de água, ou como resíduos das unidades de incineração”.
3- Quem é o vilão: as nanopartículas ou os íons de Prata?
O estudo sobre toxicidade em animais e humanos feito pelo pesquisador Nelson Durána e colaboradores do Instituto de Biologia, Unicamp, e do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC (“Quim. Nova vol.42 no.2 São Paulo Feb. 2019”) relata que: (a) as nanopartículas de prata(NP-Ag) podem liberar íons Ag+ quando são expostas a água e oxigênio, existentes no meio biológico; (b) assume-se que as nanopartículas podem penetrar nas células liberando ions Ag+ dentro delas, o que pode levar a morte celular. Essa observação dos pesquisadores não é uma surpresa porque – se a nanopartícula pode penetrar e matar uma bactéria, também pode fazê-lo em uma célula do corpo humano.
Na investigação sobre os efeitos tóxicos das nanopartículas de prata sobre diferentes tipos de células de mamíferos (“Journal of Nanomaterials Volume 2015, Article ID 136765”), F. Sambale e colaboradores do Instituto de Química Técnica da Leibniz University, Hannover, e do Instituto de Física Nuclear, Tashkent, Uzbekistan, concluíram que: “nanopartículas de prata são consideravelmente mais tóxicas do que íons de prata”.
O noticiário internacional de 2020 destacou a identificação de nanopartículas de plástico em várias amostras de tecidos humanos. Plástico ou prata, as nanopartículas já fazem parte do mundo moderno. E do corpo humano também.
Website: http://www.pitinovacoes.com.br