O conceito de “morar bem” está sendo atualizado com a pandemia de Covid-19. Isso porque o isolamento social proporcionou para grande parte da população uma nova relação com o lar, em função do home office, que foi adotado por muitas empresas, ou pelas opções de lazer, que passaram a ser estritamente em casa. Especialistas do mercado imobiliário sinalizam, inclusive, para um êxodo urbano, o que tem impulsionado um segmento que não está sentindo os efeitos da crise econômica: o de loteamentos. Segundo estimativas do setor, no período da pandemia (final de março até o início de julho), houve um crescimento de até 200% nas vendas de lotes no país na comparação com o mesmo período do ano passado.
De acordo com o presidente da Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano (Aelo) em Minas Gerais e diretor da área das Loteadoras da Câmara do Mercado Imobiliário e Sindicato das Empresas do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI/Secovi-MG) e no Sindicato da Construção Civil de Minas Gerais (Sinduscon-MG), Flávio Guerra, a estimativa pode ser replicada no mercado mineiro e está sendo observada em várias loteadoras no estado. “A busca por lotes, especialmente na região metropolitana de BH e cidades do colar metropolitano, aumentou bastante. Muitas pessoas eram reféns da moradia na região Centro-Sul da capital para facilitar o deslocamento para o trabalho, mas, com a adoção do home office e de reuniões por videoconferência, não estão mais precisando se locomover com tanta frequência. Nesse contexto, ter em casa um jardim, piscina e lazer privativo pode trazer muito mais qualidade de vida”, revela o empresário, que também é CEO da Construir Loteamentos (loteadora) e membro do Conselho da Urbaminas (gestão de loteamentos).
Ele explica que esse aumento na demanda por lotes foi sentido em todos os perfis: popular, médio e luxo. “Um dos fatores é a facilidade do financiamento de um lote, que costuma ser direto com a loteadora. O acesso ao crédito é menos burocrático, com juros que variam entre 0,5% e 0,8% ao mês. Em média, o número de parcelas para a aquisição do terreno novo é de 120 meses.” Entre as cidades mais buscadas, Guerra cita Lagoa Santa, Pedro Leopoldo, Sete Lagoas, Betim, Contagem, Igarapé, Santa Luzia, Esmeraldas, Vespasiano e Nova Lima, que têm uma grande oferta de lotes disponíveis.
A empresa de loteamentos Ello Urbanismo, especializada no segmento popular, é um exemplo de que o mercado tem obtido excelentes resultados na pandemia. Segundo o diretor da empresa, Leonardo Matos, entre 16 de março e 7 de julho deste ano, as vendas de terrenos aumentaram 200% na comparação com mesmo período do ano passado. Em relação à quantidade de clientes interessados na compra, o aumento no período foi de 268%. “Não há casa sem lote. Muitas vezes, um cliente não tem o dinheiro suficiente para a aquisição de uma casa e o investimento em um terreno para a construção do lar pode ser uma excelente opção.” Ele comenta que a experiência com o isolamento social é uma das principais razões para o aumento na busca por lotes. “Quem está vivenciando esse momento em um apartamento, às vezes pequeno, passou a valorizar outras coisas, como a tranquilidade de cidades fora dos grandes centros urbanos, o contato com a natureza e outros benefícios que só tem quem mora em uma casa”, revela.
O segmento de loteamentos de luxo e alto luxo em condomínio fechado também está registrando resultados positivos na pandemia. O empresário Adriano Manetta, que é sócio-diretor da Masa Empreendimentos e vice-presidente da área das Loteadoras da CMI/Secovi-MG, confirma a informação. “Em um empreendimento no Vale do Mutuca, com preços que giram em R$ 540 mil em um terreno de mil metros quadrados, no ano passado, era vendido um lote a cada dois meses; somente no período da pandemia, já vendemos cinco. Em outro loteamento em condomínio fechado, que tinha baixíssima procura em 2019, já liquidamos o estoque. Tivemos aproximadamente mil consultas sobre os nossos loteamentos entre janeiro e junho deste ano, sendo que, no mesmo período do ano passado, recebemos 90.”
Esse novo olhar para a moradia com o isolamento social e a valorização de casas são também fatores apontados por Manetta. “A tendência que havia em reduzir o tamanho dos apartamentos e o foco nas áreas comuns foi invertida. Agora, morar em um espaço amplo, fora dos grandes centros, passou a ter muito mais valor”, detalha.
Leonardo Fernandes Rocha, diretor comercial da Bens de Raiz Imóveis, imobiliária pioneira no segmento em condomínios de luxo e alto luxo, reforça o aquecimento das vendas de lotes na pandemia. “Ficamos muito tempo com esse mercado estagnado, mas, agora, estamos vivendo esse êxodo urbano.” Outro mercado que desponta nesse cenário é o da compra de uma segunda residência para servir como casa de campo e sítio. “As pessoas voltaram a buscar por lotes para esse fim, algo que não observávamos havia tempos”, acrescenta.
“Quem compra terra não erra.” Essa máxima antiga parece que voltou a ser mais atual que nunca. “Neste momento de incertezas, esse tipo de patrimônio passou a ser novamente muito valorizado, principalmente em relação à segurança que o ativo tem. Nos últimos meses, temos visto volatilidade constante na bolsa de valores, além da baixa vertiginosa na taxa Selic. O retorno do investimento em terra costuma ser mais linear”, afirma Flávio Guerra. Adriano Manetta concorda: “quem tem dinheiro aplicado está retirando e buscando outras modalidades de investimento, como a compra de terreno, especialmente em um momento em que ainda existem boas ofertas no mercado”.
Sobre as expectativas, Guerra é cauteloso. “A futurologia é complexa; não sabemos o que vai acontecer nos próximos meses, porém é nítido que a mudança de comportamento do consumidor ocorreu e que, cada vez mais, o terreno traz essa sensação maior de segurança, de pisar no próprio investimento; a compra de lote é uma tendência que veio para ficar.”