Alguns recentes embates entre acionistas controladores e minoritários em grandes empresas no Brasil mostram que a governança corporativa ainda é frágil no país. A avaliação é dos conselheiros independentes Geraldo Affonso Ferreira e Renato Chaves, que sugerem mecanismos para garantir mais autonomia dos membros dos conselhos de administração das companhias de capital aberto.
Todos os conflitos citados acima ocorreram em empresas listadas no nível mais elevado de governança da Bolsa de Valores, o que causa ainda mais preocupação. “Em situações como essas, o papel de zelar pelo bem maior da companhia cabe, principalmente, aos conselheiros independentes. No entanto, até onde vai essa independência? Esses conselheiros realmente votam de acordo com sua consciência ou estão atrelados de alguma forma aos controladores?”, questiona Geraldo Ferreira.
Em uma entrevista recente à revista Capital Aberto, o professor Caio Rodrigues, do Insper, reforçou a importância do tema. “A independência não pode ser apenas formal. É preciso que a companhia tenha mecanismos que garantam que os conselheiros atuem de fato pensando na empresa, em vez de serem apenas servis aos controladores”, afirmou.
Critérios de escolha
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) recomenda uma série de critérios para a escolha de um conselheiro independente, reforçando que ele não deve ter qualquer vínculo com a organização ou com acionistas relevantes.
No entanto, é comum que nas assembleias gerais ordinárias (AGOs) sejam apresentadas chapas únicas de conselheiros, em muitos casos montadas pelos próprios controladores. “Temos visto, com raras exceções, que tais nomes surgem nas chapas como consenso entre controladores e minoritários ‘relevantes’, ou ‘acionistas de referência’ como são tratados pelo mercado”, aponta Renato Chaves.
“Normalmente são profissionais conhecidos, frequentadores dos diversos fóruns do mundo da governança e que atuam em vários conselhos, mas que apresentam um comportamento parecido, e até previsível: sempre votam em sintonia com o grupo de controle, mesmo quando o conflito é gritante”, alerta.
Para evitar situações como essa, Chaves propõe que os conselheiros independentes assinem uma declaração atestando sua autonomia nos seguintes aspectos:
• Financeiro – comprovando que a remuneração recebida como conselheiro não é relevante para sua renda mensal;
• Profissional – informando que o conselheiro ou parentes próximos não prestaram serviços para a empresa ou qualquer um de seus acionistas controladores nos últimos três anos e se comprometendo a não ser contratados por cinco anos após o término do mandato.
• Sentimental – informando que não há vínculos pessoais com os controladores ou executivos da empresa;
• Intelectual – atestando que o conselheiro nunca atuou como mentor de executivo, do controlador ou de herdeiros da empresa.
Seleção profissional
Outro caminho é aprimorar a seleção e a avaliação dos conselheiros independentes, por meio de consultorias especializadas. “Uma alternativa poderia ser recorrer ao crivo de uma instituição de credibilidade — como, por exemplo, a BSM, vinculada à B3, que tem como objetivo garantir o cumprimento de normas do mercado”, sugere Geraldo Ferreira.
Ele também recomenda que os investidores institucionais sejam mais atuantes junto aos conselhos. “Os minoritários e cotistas de fundos devem se assegurar de que os gestores de investimentos cumpram seus Códigos de Stewardship — o compromisso de responsabilidade fiduciária com os recursos de terceiros”, aponta.
Para Ferreira, os minoritários também devem exigir mais transparência nas informações das empresas investidas, como a divulgação de atas mais detalhadas das reuniões de conselho.
“O preenchimento de todos os requisitos recomendados para um conselheiro independente não garante uma boa governança, mas um aprimoramento da autorregulação permitirá uma melhor seleção desses conselheiros, que poderão ser mais efetivos na defesa do legítimo interesse da empresa”, completa.
Website: https://www.linkedin.com/in/geraldoaferreira/