De uma rede de computadores acadêmica custeada pelos militares, a Internet transformou-se na World Wide Web e, depois, naquilo que hoje conhecemos. Ela criou novas indústrias e empresários bilionários. Ela encolheu o mundo conectando pessoas que, de outro modo, nunca teriam interagido. Ela ajudou todas as pessoas tornando sua vida um pouco mais fácil — desde manter-se em contato com a família até ser o recurso número um para a pesquisa sobre qualquer determinado assunto. É difícil imaginar a vida sem ela.
É claro que nem todo mundo está online… ainda. Os números variam, mas é geralmente aceito que aproximadamente 3 bilhões de pessoas já estão conectadas à Internet. Isto corresponde a 42% da população do mundo. A Internet é, agora, uma extensão da humanidade. Ela é nossa criação maravilhosa e estamos cada vez mais dependentes dela. O problema é que ela está se transformando em um Frankenstein. Estamos tão consumidos em saber se algo (como rastrear os movimentos das pessoas online) é possível, que a indústria se esqueceu de perguntar a si mesma se deveria fazê-lo. A ética, muitas vezes, tem sido excluída na corrida pela obtenção de mais dados pessoais, pois conhecimento é poder.
Então, a Internet e a indústria que a rodeia estão em um ponto de inflexão. A disputa para dominar os mercados emergentes de produtos e serviços levou muitas empresas a perderem de vista o que a Internet deveria ser. Se as coisas continuarem nessa trajetória ética descendente, corremos o risco de violar os direitos de todas as pessoas que a utilizam. Estima-se que, em 2018, metade da população do mundo estará online. Isso significa que metade das pessoas poderia ter seu direito à privacidade (Artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos) violado. Isso é inaceitável porque é evitável.
A Lei 12.965, que estabelece o Marco Civil na Internet no Brasil, sem dúvida foi um grande avanço nesse sentido, pois traz garantias importantes para o cidadão. No eixo sobre Privacidade, procura garantir os direitos civis em relação aos seus dados pessoais. Isto é, que os dados que uma pessoa informa para acessar um site ou uma rede social continuem sendo seus e não das empresas responsáveis por prestar esses serviços. Isso é um avanço importante, mas honestamente, isso não parece que vem sendo respeitado. É claro que violar a privacidade de clientes e prospects não é uma estratégia de vendas sábia, mas é uma prática mais comum do que se imagina na Internet.
E por que isso acontece? Porque os dados tem um valor real. Se você não acredita em quão valiosos os seus dados são, basta dar uma olhada no Google. A gigante da Internet obteve mais de US$ 12 bilhões de lucro no ano passado. Nada mal para uma empresa que doa seus serviços gratuitamente. O Google coleta tantos dados acerca de seus usuários que é a quarta maior fabricante de servidores do mundo. Ela nem sequer vende servidores; é só para seu próprio uso, para armazenar, entre outros, informações sobre pessoas.
Dados pessoais são um grande negócio. Os anunciantes pagam muito dinheiro por perfis de pessoas. De que as pessoas gostam, onde vivem, em quem têm a probabilidade de votar, se são canhotas — algumas empresas de marketing afirmam ter até 1.500 pontos de interesse no perfil de cada indivíduo. Todos esses pontos de interesse são algo que essas pessoas estão felizes por terem compartilhado? Eu duvido.
E a Internet das Coisas?
Em seguida vem a Internet das Coisas (IoT), um conceito segundo o qual inúmeros objetos, desde torradeiras até pontes, estarão conectados à Internet, onde compartilharão os dados que coletam. Os benefícios dessa rede emergente é que a análise dos dados levará a ganhos de eficiência e facilitará ainda mais a vida para as pessoas. Por exemplo, eu poderia combinar os dados coletados do pedômetro — aparelho que contabiliza os passos de um atleta — de meu smartphone, de meu aplicativo de dieta e do monitor cardíaco de meu relógio para analisar a minha saúde e fazer melhorias conscientes. Até aqui, tudo bem.
As águas da IoT ficam um pouco mais sombrias quando você começa a perguntar quem mais terá acesso àqueles dados a meu respeito. Talvez eu não me importe de meu médico vê-los, mas não me sinto confortável com empresas de marketing ou seguradoras de saúde vendo esses dados. Eles são assunto particular.
Temos a sorte de ainda estar no estágio inicial da IoT e de termos a oportunidade de moldar o seu impacto sobre a nossa vida particular. Essa é, porém, uma janela relativamente pequena para fazermos a coisa certa; por isso, temos de ser francos para proteger as liberdades civis das pessoas.
A solução ética
O próximo estágio de desenvolvimento da Internet precisa ser a Trusted Internet. As pessoas têm o direito à privacidade online e isso é inteiramente possível, prova disso é o Marco Civil brasileiro. Nem todas as empresas e organizações online fazem parte do frenesi de coleta de dados. Algumas, simplesmente não se importam com o que você pesquisa em um mecanismo de busca ou com os sites que você visita (a menos que eles sejam mal-intencionados, é claro!). Nós acreditamos que os seus dados são exatamente isso — seus.
Até agora, a Internet desenvolveu nas pessoas o gosto pelo gratuito. Os usuários têm sido relutantes em pagar por serviços que poderiam obter de graça em outro lugar. Mas, agora, as pessoas estão percebendo que, quando não pagam pelo produto, elas são o produto. Para nós, nossos clientes são isso — clientes. Sendo o cliente, seus dados lhe pertencem. Nosso trabalho é protegê-los de modo que seus dados continuem sendo seus.
Nós acreditamos que a Internet deve ser um lugar para as pessoas aprenderem e interagir. Isso não deve custar a nossa privacidade. Se deve haver um preço, ele deve ser quantificável, de modo que as pessoas tenham a oportunidade de decidir sobre os serviços que desejam usar, em vez de simplesmente obter acesso a serviços em troca de suas informações pessoais.
Nós somos a geração que vive intensamente a Internet. Não sejamos a geração que descartou a ética e o respeito à privacidade.
Por Leandro Hernández, vice-presidente da F-Secure para América Latina