O movimento nos cemitérios não corresponde ao quadro que está sendo pintado como consequência da epidemia causada pelo novo coronavírus. Mantido o cenário atual de progressão de infecção e de mortalidade, nada indica que haverá falta de local para sepultar as vítimas fatais da Covid-19, resultando em um colapso do setor. O motivo é que o número de mortes pela doença se torna quase irrelevante ao se considerar as médias de mortes. A Associação dos Cemitérios e Crematórios Privados do Brasil (Acembra) e o Sindicato dos Cemitérios e Crematórios do Brasil (Sincep) têm a mesma avaliação.
O cálculo da Associação dos Fabricantes e Fornecedores de Artigos Funerários (AFFAF) é de que faleçam cerca de 100 mil pessoas por mês no Brasil, em torno de 3 mil a 4 mil óbitos por dia. Em pouco mais de 40 dias de pandemia, os dados divulgados apontam que as mortes pela Covid-19 superam em pouco os 4,2 mil casos no país. A capital paulista, epicentro da pandemia no país, tem 90 mil funerais por ano, uma média de 7,5 mil por mês. Os óbitos pela doença na cidade somam mais de 2,6 mil em todo o estado, até o momento.
O fato de a prefeitura paulistana estar concentrando todos os sepultamentos de falecidos com suspeita de Covid-19 no Cemitério de Vila Formosa, na zona leste da cidade, pode dar uma impressão errada. Lá já eram feitos 40 enterros por dia em média. Agora são 60 por dia, justamente porque houve a concentração de sepultamentos nessa necrópole. Por isso, está havendo a abertura de grandes de covas no local.
Em Suzano, cidade onde se localiza o cemitério Colina dos Ipês, foram sepultadas em abril 87 pessoas. Um número próximo da média registrada no ano passado, que foi de 84 enterros por mês. O número oscila, principalmente nos meses menos quentes. Em junho e julho de 2019 houve 110 e 108 sepultamentos, respectivamente. Em outubro, caiu para 69.
Entretanto, todos os casos estão entrando no cemitério como suspeitos de Covid-19. Do total de funerais feitos em abril, 60 estavam nessa condição. No atestado de óbito de um homem que se matou, a causa apontada para o óbito era suspeita de Covid-19. Há vários relatos de casos semelhantes, um deles dá conta de um homem que morreu de infarto, mas a causa da morte indicada também era a suspeita de Covid-19.
Há, no entanto, duas possíveis dificuldade apontadas pelo setor. Poderá haver número insuficiente de câmaras frias, onde os corpos são depositados até a liberação para a funerária. Para a Acembra, existem muitos crematórios, onde há grande número desses equipamentos, prontos para funcionar, esperando apenas a conclusão de trâmites burocráticos. Outra possibilidade é faltarem equipes e carros para realizar o funeral. No entanto, a capital paulista, em decreto publicado no sábado, dia 25 de abril, autoriza cemitérios de outras cidades, que sejam credenciados na prefeitura paulistana, a realizar esse tipo de serviço.
No mesmo decreto, a prefeitura autoriza que, no caso de falecimentos por causas naturais, todos os médicos registrados no Conselho Federal de Medicina alocados em órgãos do Poder Público (SAMU, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Forças Armadas) possam emitir declaração de óbito. Essa medida deve acelerar o trâmite legal para o sepultamento desse tipo de caso, liberando mais rapidamente espaço para os casos fatais de Covid-19.
Por tudo isso, é possível dizer que a tela de horror que está sendo pintada não tem nada a ver com a realidade. O que pode, entretanto, contribuir para essa sensação é a realização de sepultamentos precedidos de velórios rápidos, com número reduzido de familiares presentes, no máximo 10 e sem possibilidade de revezamento, caixão fechado e funcionários usando equipamentos de proteção.
Apesar de ser uma situação que dificulta o luto, leva em conta a proteção dos familiares e dos envolvidos em um sepultamento e segue os protocolos internacionais para evitar um eventual contágio pelo novo coronavírus. Afinal, ainda não se sabe se o risco de infecção continua após a morte, explica João Lopes de Oliveira, sócio-fundador do cemitério Colina dos Ipês.