Em fevereiro de 2021, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) tomou a decisão de não renovar os acordos bilaterais marítimos com a Argentina e o Uruguai e comunicou às autoridades dos respectivos países sobre a escolha. Em resumo, os pactos previam a exclusividade sobre as transações comerciais pelo mar entre Brasil-Argentina e Brasil-Uruguai, ou seja, a movimentação de mercadorias entre os portos dos países deveria ser feita, de preferência, em navios com registro em uma das nações. Com a Argentina, o acordo está em vigor desde 1985, já com o Uruguai, desde 1976. Ambos seguem vigentes até janeiro de 2022, mas há quem esteja correndo atrás da renovação desses contratos.
Em 2019, cerca de 40% das exportações do Brasil para o Uruguai foram transportados via marítima, de acordo com a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia. Do Brasil para a Argentina, o dado sobe para 46%. Isso significa que o parecer é realmente relevante para as partes envolvidas nesse trâmite, provocando diferentes opiniões.
Segundo a secretária-executiva do Conselho Nacional das Zonas de Processamento e Exportação, do Ministério da Economia, Natasha Martins do Valle Miranda, o que motivou o fim dos acordos foi o encarecimento dos custos de transporte de mercadorias entre os países signatários. Ela também defende que “além das questões concorrenciais, nossa análise é baseada nos princípios e ordenamentos da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Todos sabem que tanto o Brasil quanto a Argentina pleiteiam uma vaga na organização. E caso um dos dois a consiga, não poderemos manter este acordo. Logo, nós, do governo como um todo, temos que olhar para a OCDE a fim de deixar nosso ordenamento [jurídico] mais perto do que a organização dispõe”, em debate realizado pelo Instituto Besc de Humanidades e Economia.
Dino Antunes Dias Batista, diretor do Departamento de Navegação e Hidrovias do Ministério de Infraestrutura, defende a manutenção dos acordos bilaterais desde quando o governo brasileiro passou a considerar a anulação do mesmo tipo de compromisso com o Chile. “Desde lá, o ministério tem feito uma defesa bastante firme pela manutenção destes acordos. Porque, no nosso entendimento, eles permitem uma regularidade fundamental para a logística. Porém, não estamos sozinhos no governo. Existe toda uma discussão, bastante aprofundada. E o governo recebeu muitas demandas de usuários. E os principais usuários da navegação de grande cabotagem [entre países vizinhos] explicitaram que querem o fim destes acordos. Acabar com um acordo destes é muito simples, é relativamente rápido, mas retomá-los é muito complicado. Se errarmos a mão, será muito difícil voltar atrás”, explica o diretor.
Para o coordenador de logística do Departamento de Análise Econômica e Políticas Públicas, do Ministério da Agricultura, Pecuário e Abastecimento (Mapa), Carlos Alberto Nunes, consultado pela Agência Brasil, a deliberação faz parte de um processo constante de revisão das relações comerciais do Brasil com seus vizinhos. Ele acredita que novos acordos podem ser negociados em novos termos, “estamos com estes acordos [em vigor] há muitas décadas e seus balizadores estão defasados. Hoje, há uma variedade de produtos, de navios com diferentes configurações, legislações distintas para operação das embarcações. Logo, é necessário ajustar estes parâmetros e não vejo muita dificuldade em fazermos estes ajustes. O transporte de mercadorias poderá ser feito por navios de qualquer bandeira, o que é positivo, pois estimula a concorrência entre as empresas de navegação, o que pode resultar em menores custos logísticos, o que é bom para todos”.
Já para a Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac), é controverso o Brasil estimular a cabotagem por meio do Projeto de Lei nº 4199/2020, conhecido como BR do Mar, e simultaneamente encerrar um tratado que favorece o mercado nacional. “Hoje, 20% da movimentação de contêineres feita pelas empresas brasileiras de navegação têm como origem ou destino os portos da Argentina ou do Uruguai. É um volume muito significativo de negócios”, afirma o diretor-executivo da Abac, Luís Fernando Resano. “Levamos muito tempo para consolidar esse mercado e não faz sentido algum abrir mão dele para empresas estrangeiras”, acrescenta.
Na visão da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), “o fim das políticas de reserva de carga no transporte marítimo é relevante para aumentar a competitividade do comércio exterior brasileiro e a integração internacional da economia. No setor de transporte internacional, a experiência tem demonstrado que o que reduz fretes e aumenta o nível de serviços é a competição”. Para a entidade, os acordos são “instrumentos defasados” que desestimulam a competição e contribuem para o aumento dos custos.
De acordo com o Head da área de Atendimento ao Cliente e Inovação da Costa Brasil – especialista em Operação de Transporte Multimodal (OTM) –, Roberto Veiga, a discussão acontece em torno de diferentes empresas protegendo seus mercados. Ele diz que “para a sociedade como um todo, o livre mercado é interessante, mas existem pontos importantes a serem discutidos. Abrir esse mercado de qualquer maneira também pode causar problemas para os próprios usuários” e também afirma que pela atuação da Costa Brasil, até o momento, abranger somente os portos brasileiros, o fim dos acordos não impacta o ritmo da empresa.
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