A alteração nas alíquotas do ICMS provocada pelo decreto nº 65.253/2020, formulado pelo governo do Estado de São Paulo, causou grande discussão e protestos entre diversos setores da sociedade. Os principais argumentos contra a medida ressaltam a carga tributária excessiva que já atinge os setores de atividade e o impacto desse ajuste sobre os preços de produtos que compõe a cesta de consumo das famílias.
Apesar do cenário de crise profunda, que dificulta qualquer discussão sobre aumento de impostos, o decreto coloca luz sobre um debate importante e inevitável: as políticas de isenções e desonerações contribuem para o crescimento e desenvolvimento econômico? No texto constitucional foi determinado que o maior imposto do país, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), responsável por mais de 20% da Carga Tributária Nacional e arrecadado pelos estados, deveria financiar as políticas públicas definidas pelo pacto federativo.
Dos recursos arrecadados com o ICMS pelos estados, 12% (no mínimo) deveria ser aplicado em saúde e 25% (no mínimo) destinados à educação. O restante, além de contribuir com o financiamento dos investimentos na construção e recuperação de equipamentos públicos dos estados, seria compartilhado com os 5.570 municípios da federação, por meio das transferências constitucionais denominada de cota parte, destinadas pelos governos a seus municípios, e também parte para o FUNDEB. “Em outras palavras, podemos afirmar que o ICMS é a maior receita orçamentária dos estados e de vários municípios brasileiros, assegurando o acesso da população brasileira à saúde e educação básica”, explica Saulo Abouchedid, professor de macroeconomia da Facamp.
Este é um dos fatores que explicam a relevância do estado paulista na partilha – São Paulo responde, em média, por mais de 30% da geração do valor adicionado gerado no país e, portanto, dos recursos do ICMS distribuídos entre as esferas de governo da federação. A importância, portanto, do ICMS paulista dá a dimensão dos impactos negativos da queda estrutural do imposto entre 2013 e 2019 (-11%) sobre as finanças de São Paulo e do país.
A pandemia agravou este cenário. “Sabemos que diante das consequências da pandemia do Covid-19, os estados e municípios brasileiros sofrem de forma generalizada com uma queda da atividade econômica e aumento da inadimplência, elevando a importância das transferências constitucionais do ICMS no orçamento público para financiar as demandas da pandemia e da infraestrutura urbana das cidades”, ressalta Fernanda Serralha, professora de economia da Facamp.
Tabela: Arrecadação ICMS Estado São Paulo – anos selecionados
Anos | 2000 | 2005 | 2010 | 2013 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 | 2020* | 2013/2019 |
TOTAL DA ARRECADAÇÃO | 101.257 | 116.319 | 166.417 | 175.757 | 166.936 | 150.199 | 148.624 | 153.992 | 157.206 | 122.424 | -11% |
Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Elaboração NEC/FACAMP, em R$ milhões, corrigidos pelo IPCA/IBGE em dez 2020
*até outubro/2020
A opção pelas desonerações como instrumento de política pública tem como objetivo fomentar a geração de emprego e renda em determinados setores, aumentar a competitividade e promover redistribuição da renda por meio da isenção de alíquotas em setores fundamentais para a população mais pobre. “Porém, como avaliar se a desoneração gerou benefícios à geração de renda e emprego ao invés de aumento das margens de lucros das empresas? Por exemplo, o setor industrial, amplamente beneficiado com as desonerações, perdeu o protagonismo na arrecadação de ICMS a partir de 2015 para os setores de comércio e serviços e ainda está distante dos níveis de produção e emprego verificados em 2014, de acordo com o IBGE”, segundo o professor Saulo. “Há que se considerar também as transformações (tecnológicas e geográficas) dentro da indústria, que alteraram a composição dos setores industriais no estado em relação à arrecadação de ICMS.”
Essas mudanças deveriam servir para uma revisão responsável das desonerações. “Para evitar uma guerra de narrativas como a atual, é necessária uma revisão de prazos e exigências de contrapartidas para cada setor – por exemplo, desenvolvimento de inovação, uso de energias renováveis e geração de emprego e renda”, explica a economista Fernanda Serralha.
Segundo os analistas, a gestão dessas contrapartidas deverá garantir a aplicação correta do princípio da seletividade, desonerando setores-chave para o desenvolvimento econômico e atenuando, portanto, os efeitos regressivos do ICMS – no qual o pobre paga proporcionalmente mais imposto que o rico. É natural que o aumento da alíquota seja repassado para os preços, porém esse efeito é minorado com a desoneração de setores mais presentes na cesta de consumo das famílias que pertencem às faixas menores de renda. Ademais, o argumento do aumento de preços ignora o efeito das desonerações sobre as políticas públicas (especialmente saúde e educação), que dependem fundamentalmente dos recursos da arrecadação do ICMS. “Portanto, devemos analisar o debate acerca das isenções do ICMS a partir da ótica da harmonia distributiva. As desonerações não podem ser utilizadas para a perpetuação dos interesses de alguns, em detrimento de políticas públicas essenciais para o enfrentamento da crise econômica e social”, conclui Saulo Abouchedid.
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