A polêmica decisão da Primeira Vara do Tribunal Federal Regional, que a pedido do Ministério Público Federal, determinou que os créditos pré-pagos adquiridos pelo consumidor brasileiro junto às operadoras de telefonia móvel sejam imprescritíveis, ou seja, não mais possuam prazo de validade, promete criar bastante celeuma em torno do assunto.
O modelo de contratação dos serviços de telefonia móvel preferido pela maioria dos brasileiros é o pré-pago. A principal razão dessa dileção é o controle de custos e a possibilidade de economia com promoções lançadas
pelas operadoras. Não raro as pessoas de classes D e E possuem mais de um chip de operadora com o intuito de economizar e otimizar o gasto com o recurso. Tal fato gera uma base de dados irreal, na qual em alguns nichos de
clientela é comum encontrar um único individuo com 2, 3 ou mais chips. A decisão não leva em conta que muitas pessoas trocam de chip e de número como quem troca de roupa.
A decisão, embora louvável do ponto de vista do consumidor, é impraticável operacionalmente, seja pelo esgotamento de números, seja pela insegurança jurídica decorrente da não delimitação do prazo de resgate do crédito adquirido. Assevere-se que o ordenamento jurídico brasileiro impõe prazos de decadência e prescrição a toda e qualquer obrigação, justamente para impedir que alguém fique como fiel depositário ou devedor eternamente de outrem. Até o terrível leão depois de 5 anos vira gatinho.
Do ponto de vista do direito empresarial, o crédito pré-pago muito se assemelha a um título de crédito, que possui um valor e um prazo para resgate, guardadas as devidas proporções. É assim com cheques, letras de cambio, duplicatas, entre outras cambiais. Em sendo assim, tem que ter prazo de resgate, mesmo porque estamos falando de valores baixos.
Se a sentença for aplicada ipsis literis o molho vai ficar mais caro que o peixe. Ademais, ao determinar que tal título seja imprescritível, equiparou uma relação comercial corriqueira, qual seja, comprar um chip (que vale 10
reais) com relações de natureza e amplitude diferentes. Por exemplo: é imprescritível ação de reconhecimento de paternidade. Para que? Para assegurar o direito da pessoa obter a paternidade a qualquer tempo.
As operadoras reagiram à sentença alegando que o cumprimento da determinação judicial exigirá uma ampla reestruturação do sistema de controle e bilhetagem dos créditos, além de alterações no plano de numeração e, em
decorrência disso as tarifas serão majoradas. Ocorre que nossas tarifas já são as mais caras do mundo, sendo o pré-pago muitas vezes mais caro que planos pós pagos, quando comparado o custo de cada minuto.
A justiça brasileira, com decisões como essa, ao invés de corrigir uma distorção cria uma enxurrada de ações para ela mesma julgar posteriormente, aumentando o problema e por via obliqua, gerando descrédito e desprestígio
para a própria instituição. Nesse caso especificamente o erro começou no Parquet que no afã de proteger o consumidor, deveria ter pedido simplesmente a dilação do prazo de validade do crédito. Pediu errado. E quem
vai pagar a conta é o consumidor.
O Ministério Público tem um papel relevante no contexto do Estado Democrático de Direito, sendo de grande valia para a povo brasileiro que atue em sua defesa, mas com sensatez e discernimento. Entendendo as questões
de uma ótica mais ampla e abrangente, bem como suas consequências.
Enquanto no Brasil faltar bom senso e sobrar desorganização entre as instituições políticas brasileiras continuaremos a andar em círculos e sem rumo. Esse é um típico caso onde o judiciário quis legislar. Esperamos que a
decisão seja reformada, sendo dilatado o prazo para um período maior de um ou dois anos no máximo.
Dane Avanzi é advogado, empresário do Setor de Engenharia Civil, Elétrica e
de Telecomunicações. É Diretor Superintendente do Instituto Avanzi, ONG de
defesa dos direitos do Consumidor de Telecomunicações