É num galpão do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que está sendo desenvolvido, em parceria com a Fiat Automóveis do Brasil, o primeiro motor projetado para funcionar somente com etanol no tanque de combustível. Mas como assim? E o carro a álcool que você andava nos anos 1970 e 1980? E o carro flex que você certamente tem na garagem? Pasme, leitor, mas os motores que esses veículos trazem e traziam sob o capô são meras adaptações de propulsores feitos para funcionar com gasolina.
Quem afirma é o professor Ramon Molina Valle, do Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG. De acordo com Molina, há 30 anos as apostas eram que hoje os carros elétricos e a célula a combustível (reação química que resulta em eletricidade e gera como emissão o vapor d’água) já fossem uma realidade.
Mas, como isso ainda não foi possível, na visão do professor o motor a combustão ainda tem vida longa. “Até chegarmos lá precisamos de tecnologia para reduzir as emissões e o uso de combustíveis fósseis”, afirma.
Molina deixa claro que essa pesquisa não vai resultar na construção de um motor por parte da UFMG, mas na modelagem virtual de um propulsor com parâmetros ideais para o uso do etanol. O projeto teve início em julho, quando a equipe começou a ser montada. Depois os pesquisadores passaram por um treino para dominar os softwares que serão usados no projeto. Agora é que a geometria do motor está sendo determinada: um três-cilindros com baixa cilindrada, ainda não definida, mas certamente abaixo de um litro, porém com potência semelhante à de um motor 1.8, com mais de 100cv.
Esse desempenho será alcançado com o uso de tecnologias como a injeção direta de combustível e a turboalimentação. Para que o motor tenha bom torque em qualquer regime de rotação, o professor não descarta o uso de duas turbinas, uma para as baixas e outra para as altas rotações, garantindo uma curva de torque estável. Outra característica importante é que o motor vai funcionar com baixas rotações, entre 4.500 e 5.000rpm, gerando menos atrito e consumo de combustível. “Como a queima do etanol tem como resultado uma maior liberação de torque (que é a força produzida pelo motor), o uso dessas tecnologias em um motor feito e otimizado para esse combustível vai resultar num desempenho superior”, compara Ramon Molina.
Os planos dos pesquisadores são ambiciosos. A ideia é chegar a um consumo de combustível semelhante ao da gasolina (hoje esse número está, em média, em 70%) e a eficiência energética semelhante aos veículos diesel (onde 42% da energia gerada é transformada em movimento, enquanto num motor flex esse número fica entre 30 e 33%).
Esta pesquisa vai encontrar um importante aliado com a inauguração do Laboratório de Análise da Combustão em Motores, do Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG, que conta com um motor monocilíndrico com um sistema ótico para análise da combustão. É que, para tirar o melhor do etanol, é preciso estudar minúcias que os motoristas em geral nem sequer desconfiam, como as características do spray da injeção de combustível dentro da câmara de combustão, o coeficiente de descarga e a caracterização da combustão, sem contar a melhor geometria para a entrada de ar e o posicionamento de componentes como velas e injetores de combustível.
De acordo com o professor Molina, dentro de três ou quatro anos esse motor já poderá chegar ao mercado. Mas a Fiat, patrocinadora do projeto, afirma que, hoje, não tem planos para lançar um modelo movido exclusivamente a etanol. Segundo o fabricante, esse tipo de projeto é desenvolvido para ter uma resposta pronta ou quase pronta para qualquer demanda do mercado. De acordo com a Fiat, quem manda é o consumidor e hoje quase ninguém está abastecendo com etanol.
Etanol não decola
Enquanto os pesquisadores “quebram a cabeça” para fazer um motor a etanol com o máximo de eficiência, ou seja, com a melhor relação entre potência e consumo de combustível, na prática o produto tem sido deixado de lado nas bombas de combustível. De acordo com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, de janeiro a agosto o etanol correspondeu a 20% do volume de vendas das distribuidoras, enquanto a gasolina ficou com o restante.
Segundo Adhemar Altieri, da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), alguns fatores que podem explicar o elevado preço do etanol já não fazem sentido. Segundo ele, a entressafra da cana-de-açúcar, período chuvoso (de 15 de dezembro a 15 de março) em que a produção fica paralisada, já não é sentida há pelo menos dois anos. “Aos poucos, uma estrutura de estocagem vem sendo instalada, o que leva a uma estabilidade na oferta do combustível”, conta o representante da Unica, se referindo a uma medida conhecida como warrantagem, que é uma linha de crédito do governo para financiar o estoque com a contrapartida de se guardar parte da produção para o período da entressafra.
Já o preço do açúcar no mercado internacional, para Altieri, também é uma explicação fraca. “Nesse setor, 80% da indústria está estruturada para fabricar os dois produtos. Então, é um erro insinuar que, se o açúcar está valorizado, toda a produção será de açúcar. Veja que também existe uma estrutura montada para fabricar o etanol que não pode ficar inoperante. Então essa proporção pode ser de, no máximo, 40%/60%”, explica.
Para a Unica, localizada em São Paulo, um dos maiores vilões do elevado preço do etanol é a tributação excessiva. “O estado de São Paulo reduziu drasticamente o ICMS do etanol, de 24% para 12%, e é um dos poucos lugares onde o combustível é viável.” Altieri responsabiliza ainda o frete como dificultador para os estados que não produzem o etanol. A entidade critica os recentes incentivos concedidos à gasolina, como a retirada da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que reduz a competitividade do etanol e desestimula os investimentos na produção do combustível.
Veiculação Colaborativa por Pedro Cerqueira