Notas de dinheiro passam de mão em mão, caem no chão, são pisoteadas… Com o tempo, ficam tão encardidas pelo uso que são consideradas impróprias para circulação. O jeito é imprimir outras cédulas para substituí-las, uma operação que representa gastos de bilhões de dólares todos os anos no mundo. Uma técnica apresentada recentemente na revista especializada Industrial and Engineering Chemistry Research aponta uma alternativa à dispendiosa substituição: lavar o dinheiro.
Os pesquisadores responsáveis pela técnica, da Universidade de Brown (EUA), não propõem nenhuma operação ilegal. Eles encontraram uma forma de realmente remover a sujeira das notas, tornando-as novinhas em folha. Nos testes realizados pela equipe, as cédulas foram submetidas a uma lavagem de dióxido de carbono (CO2) alterado até o estado supercrítico. “Quando comprimido e colocado em uma determinada temperatura, o CO2 adquire as propriedades tanto de líquido quando de gás”, explica Jairton Dupont, professor de química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que não participou do estudo.
O gás supercrítico se mostrou capaz de penetrar nos poros do papel e remover a mistura de gordura e óleo que os cientistas usaram para sujar as notas. De acordo com o principal autor do estudo, Nabil Lawandy, o processo químico não danifica as medidas de segurança presentes nas cédulas. “A maioria dos agentes de limpeza convencionais possuem propriedades oxidantes, mas não é o caso do CO2. Ele elimina as gorduras e outros óleos de forma eficaz e preserva recursos como tintas fosforescentes e hologramas”, diz. Dupont acrescenta que esse resultado se deve às características do dióxido de carbono supercrítico. “Ele é um solvente apolar, ou seja, remove basicamente qualquer forma de gordura, mas não vai remover os componentes que compõem a cédula em si. O processo segue a mesma linha de raciocínio de quando se remove esmalte das unhas com acetona”, completa.
Lawandy acredita que a nova tecnologia pode ajudar os bancos centrais de todo o mundo a economizar muito dinheiro. Segundo ele, estima-se que os países gastem cerca de US$ 10 bilhões anualmente para emitir aproximadamente 150 bilhões de novas notas. Além disso, o estudo ressalta que bancos centrais também têm de lidar com o desafio ambiental de descartar toneladas de papel constantemente.
O pesquisador garante que, a menos que as cédulas estejam rasgadas ou com danos físicos, sua vida útil pode ser prolongada. “Os testes mostram que o papel não é afetado pelo processo químico, portanto, o procedimento pode ser repetido inúmeras vezes. Com base em dados dos bancos centrais, a expectativa é de que a média de vida útil seja triplicada”, explica. No estudo, foram realizados quatro lavagens com dois tipos de notas: novas e retiradas de circulação.
Exemplos de todos os recursos de segurança, incluindo fios, marcas d’água, tintas UV e fibras, sobreviveram e permaneceram eficazes após a limpeza. Recursos de leitura óptica, como tintas magnéticas também continuaram intactos. Além disso, a limpeza pode ser realizada em grupos de 100 notas, padrão usado por bancos. “Os resultados confirmam que o fluido supercrítico é prático e pode reduzir drasticamente os orçamentos dos bancos centrais, além de reduzir o impacto ambiental causado pelo descarte de notas impróprias para circulação”, ressalta Lawandy. Segundo o pesquisador, o próximo passo será concentrar os esforços para testes com grandes volumes de notas (superiores a 100 mil).
No Brasil De acordo com Ricardo Danziger, assessor do Departamento do Meio Circulante do Banco Central do Brasil, no país, as cédulas recebidas da rede bancária são contadas e verificadas quanto a autenticidade e a condição de retorno à circulação, que inclui não só a limpeza, mas também não ter furos, rasgos e rabiscos. “As que não podem voltar a circular são fragmentadas, compactadas e, posteriormente, descartadas em aterros sanitários compatíveis com o tipo de resíduo resultante da fragmentação de cédulas”, explica. Dados do Banco Central informam que cerca de R$ 500 milhões foram gastos em 2013 para fabricar 2,4 bilhões de cédulas, com o objetivo de repor as que foram retiradas de circulação.
Sobre a eficácia do método em notas de real, Danziger diz que seria necessário atestar a prevenção dos recursos de segurança. “As cédulas brasileiras utilizam elementos de segurança que são comuns aos de outros países; porém, somente testes poderiam confirmar a eficácia.” O assessor afirma ainda que o Banco Central está sempre interessado em alternativas que possibilitem a melhoria do meio circulante brasileiro e reconhece as vantagens de usar a lavagem em notas. “O estudo mostrou que o uso do dióxido de carbono poderia aumentar a vida útil da notas e reduzir as despesas”, confirma. Ainda assim, ele ressalta que o método exigiria o desenvolvimento de instalações apropriadas e incorporadas à logística dos bancos centrais em todo o mundo.
Por Flávia Franco de Brasília