Clarinda Cerejo*
A vida de um pesquisador não é fácil em nenhum país do mundo. Até mesmo na Europa, com sua larga tradição acadêmica, os cientistas sofreram muito o impacto do período recente de recessão econômica. Também no Japão, considerado um dos líderes mundiais em pesquisa científica, o financiamento já passou por muitas instabilidades e com isso, a comunidade científica sentiu os efeitos negativos. De maneira parecida, os cientistas brasileiros enfrentarão grandes desafios em 2016, com cortes ainda maiores previstos nos orçamentos e a arrecadação menor afetando nas agências de financiamento. Outra consequência que será sentida no Brasil será relativa à suspensão da Lei do Bem, que vem incentivando com sucesso a pesquisa das empresas nos últimos anos. Porém, nem tudo está perdido e certamente existe esperança e oportunidades no cenário brasileiro de pesquisa científica.
Notícias recentes apontaram para novas perspectivas e ofereceram alento aos pesquisadores. A primeira delas é sobre uma negociação de um empréstimo da ordem de 2,5 bilhões de dólares do Banco Interamericano de Desenvolvimento para financiamento da Ciência e Tecnologia. Outro fato divulgado em janeiro, foi o acordo firmado com países do BRICS em Beijing, para a formação de um fundo de 24 milhões de dólares para projetos de pesquisa colaborativos. Principalmente a boa nova anunciada na China constitui-se em um forte indicativo de que buscar a colaboração internacional pode ser uma boa saída para navegar em águas mais favoráveis durante o período em que perdurar a crise brasileira.
O campo da medicina tropical também abrirá muitas oportunidades, sobretudo por conta da epidemia causada pelo vírus Zika, objeto de preocupação da Organização Mundial da Saúde e das autoridades brasileiras. O vírus passou a ser uma ameaça global e vários institutos de pesquisa internacionais e privados continuarão a investir na pesquisa relacionada a este tema.
Outro fato auspicioso e uma conquista para a ciência brasileira foi o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, lei sancionada pela Presidente Dilma Rousseff em janeiro deste ano, encorajando uma colaboração mais sólida entre indústria e academia. O Marco pode significar melhor remuneração para pesquisadores fora dos limites tradicionais do universo acadêmico. O envolvimento da indústria na pesquisa vai melhorar muito a inovação e aumentar a aplicação da pesquisa básica. Pesquisadores poderão ter acesso a equipamentos de alta qualidade e o empreendedorismo também será facilitado. Tudo isso representará um passo enorme na direção do fortalecimento da produção científica do Brasil.
Claro, a parcela do PIB destinada à investimento em pesquisa certamente poderia ser maior no Brasil, mas em grande parte dos países esta realidade não é diferente. Temos que valorizar e admirar programas como “Ciência sem Fronteiras” e “Jovens talentos para a Ciência” em âmbito nacional, pois essas oportunidades são o sonho de estudantes de outros países. Mesmo que o Ciência sem Fronteiras enfrente o congelamento de fundos em 2016, o programa já abriu portas internacionais para milhares de futuros pesquisadores e deverá ser reiniciado das cinzas da crise financeira atual.
Vale lembrar que há alguns anos o Brasil já experimentou um período de glória para a pesquisa e desenvolvimento. Entre 2002 e 2008, a parcela brasileira de artigos publicados subiu de 1.7% para 2.7% do total mundial. Graças à biblioteca SciELO, o país tornou-se um pioneiro mundial do acesso aberto, atuando como um líder na América Latina. Foi um dos primeiros a adotar a colaboração e internacionalização da pesquisa de uma forma estruturada e, em 2011, praticamente um terço dos artigos publicados por cientistas brasileiros tinham um coautor estrangeiro. Ainda que a década de 2002 a 2012 tenha sido melhor, temos que levar em conta que a atual crise econômica é temporária e que, considerando medidas em longo prazo, a ciência no Brasil em breve voltará a viver bons momentos.
Por tudo isto, o Brasil tem um potencial imenso para tornar-se uma economia baseada no conhecimento científico. Devemos manter a crença e o otimismo na pesquisa brasileira: o Brasil ainda guarda muitas promessas e oportunidades para seus pesquisadores. É preciso que os cientistas aproveitem ao máximo as vantagens do Marco Legal, que promoverá a colaboração da academia com a indústria, visando à inovação. Também é necessário aumentar a publicação de pesquisas brasileiras de qualidade em periódicos de língua inglesa, com visibilidade internacional, para que passem a figurar no mapa global e aumentem as oportunidades de colaboração internacional e de outras fontes de financiamento. Inovação, colaboração e publicação de qualidade – estes são os três pilares que irão moldar, melhorar e promover o avanço da pesquisa brasileira nos próximos anos.
*Clarinda Cerejo é Gerente Sênior de Comunicações Acadêmicas da Editage, empresa que realiza treinamentos, serviços de apoio e consultoria a mais de 100 mil pesquisadores de 116 países que buscam a publicação em língua inglesa em periódicos científicos de qualidade.