Pesquisadores criam eletrônicos que desaparecem depois de um tempo
No tempo do seu avô, as coisas eram feitas para durar. Geladeiras, televisores e rádios iam e vinham da assistência técnica, mas resistiam funcionando por anos a fio. Porém, o ritmo apressado da tecnologia não se interessa por peças de museu. Antes mesmo que as parcelas de um equipamento estejam pagas, um modelo mais moderno chega às lojas, com novas funções que colocam seus antecessores para escanteio. Essa tendência da eletrônica descartável é um dos motivos que têm levado pesquisadores a buscar novo tipo de tecnologia: um aparelho com data de validade.
O conceito tem sido tema de pesquisas nos últimos anos, mas somente agora rende os primeiros resultados práticos, com eletrônicos funcionais feitos para sumir. Recentemente, um pesquisador norte-americano revelou que desenvolveu um pequeno diodo de luz que desaparece num passe de mágica. O método do truque, no entanto, não é segredo. Tudo o que o engenheiro Reza Montazami precisa fazer é pingar água sobre o emissor de luz que ele se dissolve como gelatina.
O artigo que descreve o feito, publicado no site especializado Advenced Functional Materials, foi apresentado recentemente no encontro da Sociedade Americana de Química. O LED criado por Montazami é feito de um material especial: uma mistura de gelatina e sacarose em uma matriz de álcool polivinílico (PVA), um polímero sintético hidrossolúvel. Quando a água entra em contato com o material sensível à água, a luz se apaga e a estrutura se desmancha, virando uma gosma pegajosa. O engenheiro aponta que o polímero solúvel pode ser usado como base para a construção de uma série de eletrônicos.
Em um trabalho anterior, o pesquisador da Universidade Estadual de Iowa (EUA) desenvolveu uma antena funcional completamente degradável. Agora, ele estuda a aplicação do método em diodos e transistores. O desafio é usar a técnica para criar um equipamento que se desfaça de forma programada, no momento e no ritmo necessário. Os pesquisadores descobriram que o processo de dissolução pode ser controlado de acordo com a “receita” do componente. Enquanto mais gelatina retarda o processo, uma proporção mais generosa de sacarose faz a mistura se dissolver mais rapidamente. “O que sobra são os químicos num nível molecular”, descreve Montazami.
Para não durar
O conceito de eletrônicos transitórios, como são chamadas essas peças, encontra funcionalidade não somente no iPhone do ano passado, que acaba virando lixo eletrônico. Ele pode ter usos mais técnicos, como equipamentos militares capazes de desaparecer em uma missão de inteligência, sem deixar traços. Na área de segurança, qualquer aparelho que contenha informações sigilosas poderia ser destruído assim que caísse em mãos erradas. Bastaria acioná-lo a distância para que virasse poeira. “A dissolução acionada remotamente é um trabalho em progresso no meu grupo”, ressalta Montazami.
Outra aplicação possível são os dispositivos médicos absorvidos pelo corpo, uma linha de pesquisa já explorada por trabalhos divulgados recentemente e que deram origem a próteses ou stents de uso temporário. Depois de cumprirem seu papel, eles se desintegram e são eliminados naturalmente pelo organismo. “A degradação não resulta em nenhum material estranho ao organismo. Ele desaparece completamente, porque gera substâncias que todo organismo reconhece e tem meios de eliminar”, explica Marcelo Aparecido Chinelatto, professor da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC/USP).
No caso da criação de eletrônicos biodegradáveis, todos os componentes também precisam ser inofensivos ao corpo. “É importante a seleção do melhor material para aquela aplicação”, ressalta Chinelatto. O especialista brasileiro diz que o PVA usado no trabalho dos diodos hidrossolúveis, por exemplo, não seria adequado para a fabricação de implantes médicos, pois é tóxico. “Você simplesmente dissolve as cadeias, mas não as quebra. Eu jamais poderia usar o PVA em uma aplicação dentro do organismo.”
Contras Montazami frisa que a tecnologia ainda está em uma fase muito inicial, e que a eficiência dos dispositivos solúveis não é comparável à de um equipamento tradicional. Os pesquisadores têm pela frente a complicada tarefa de encontrar substitutos solúveis ou degradáveis para cada componente usado em um eletrônico comum. “Um diodo trabalha com semicondutores, mas um eletrônico mais complexo tem partes que precisam de uma boa condutividade elétrica. Como substituir a prata ou o cobre por um polímero ou algo que vai se dissolver?”, questiona Hugo Veit, professor de engenharia de materiais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Para ele, ainda deve demorar até que um smartphone possa se dissolver como o diodo desenvolvido pela equipe de Montazami . “Um aparelho celular tem uma tabela periódica inteira lá dentro. A física e a química têm algum limite”, enfatiza Veit.
O especialista brasileiro também acredita que os materiais transitórios não seriam tão úteis para a fabricação de eletrônicos. Enquanto a tecnologia seria útil em sensores de temperatura biodegradáveis, ou em implantes médicos, o uso de equipamentos eletrônicos descartáveis estimularia a extração de matérias-primas necessárias para a sua fabricação, causando danos à natureza. O ideal, nesse caso, segundo Veit, seria a criação de gadgets mais fáceis de reciclar. “É difícil reciclar 100% de tudo o que é produzido, mas, quanto mais a reciclagem aumenta, menos matéria-prima a gente extrai da natureza.”