Uma estrutura dedicada ao programa de compliance com recursos, autonomia e independência para exercer funções é considerada uma boa prática de governança, tanto no setor privado como no público, segundo o estudo de Maturidade do Compliance, da KPMG. Conforme dados do anuário Análise Executivos Jurídicos e Financeiros 2020, 83% das maiores companhias do país contam com uma área de compliance interno. Este total vem aumentando consideravelmente desde 2015, ano em que foi regulamentada a Lei Anticorrupção e o percentual chegava a 68%.
Após a entrada em vigor da Lei Anticorrupção, nunca se ouviu tanto falar em transparência, honestidade, sustentabilidade, crimes de responsabilidade e corrupção como nestes últimos anos no Brasil, o que deu início a programas de compliance, declara Natanael Pinheiro da Cruz, graduado no curso de Direito, com atuação na área criminal, cível, de família e empresarial.
As instituições públicas e privadas, consoante Natanael, não se veem mais sem esses requisitos positivos (transparência, honestidade, sustentabilidade), como também não aceitam mais os requisitos negativos (crimes de responsabilidade e corrupção). “Hoje se faz cada vez mais necessário e fundamental uma política de compliance em empresas públicas e privadas, devido ao grande envolvimento dos entes público com as organizações privadas”, afirma Cruz.
Compliance não tem tradução específica, diz o advogado. É adotado o entendimento amplo de conformidade jurídica, fiscal, financeira e administrativa. Ou seja, toda empresa pública e privada que adota o programa visa estabelecer um compromisso dentro das normas estabelecidas pela legislação brasileira e internacional, com a sociedade. Com intuito de entregar o produto ou serviço de acordo com os princípios norteadores da honestidade, legalidade e transparência.
Segundo a Legislação Brasileira, são várias as tentativas do ordenamento jurídico em construir barreiras para inibir os atos de fraude e corrupção, algumas leis que dão a base de sustentabilidade do programa de compliance são: dos Servidores Públicos Lei nº 8.112/90, do Estatuto das Estatais Lei nº 13.303/16, das Agências Reguladoras Lei n° 13.848/19, das Licitações Públicas Lei nº 8.666/93, de Improbidade Administrativa Lei nº 8.429/92, a Lei Complementar Ficha Limpa nº 135-10, de Lavagem de dinheiro Lei nº 9.613-98, de Defesa da Concorrência Lei nº 12.529-2011, Contra o Crime Organizado Lei nº 12.850/13, de Anticorrupção Lei nº 12.849/13 (pautada no Decreto legislativo nº 8.420/2015) e da Lei Geral de Proteção de Dados Lei nº 13.709/18.
“Com a entrada em vigor destas leis, criou-se então no Brasil uma política de ambientes diferenciados para empresas que detém o programa de compliance, trazendo em seu bojo a análise de riscos, implementação de códigos de ética e de conduta, canal de denúncias de desvios financeiros e administrativos, estancando assim possíveis desvios e ilicitudes. Outra novidade é a Lei de Responsabilidade Objetiva das Organizações, no âmbito civil e administrativo, pelos atos lesivos e ilícitos praticados objetivando seus objetivos ou interesse”, informa Cruz, que possui cursos de Compliance e Investigações Corporativas, Ética Profissional, Sensibilidade para Práticas Inovadoras da Gestão Pública, Doutrina Política, Papel do Legislativo, Introdução a Lei Brasileira de Proteção de Dados Pessoais, entre outros.
Conforme o especialista, o compliance na organização pública deve levar em conta se os objetivos estratégicos para alocação dos recursos públicos estão sendo realizados de acordo com as políticas públicas prioritárias, além de avaliar se a estratégia se transformou em ação. Natanael avisa que no mundo moderno não existe mais espaço para práticas exploratórias e expurgas de negócios entre a administração pública e privada, as corporações devem se adaptar e procurar inovações práticas de governança. E que os princípios de governança quando aplicados às corporações são fatores determinantes que vão assegurar o desempenho econômico, a transparência, a ética e a integridade de mercado. “O programa de compliance deve estabelecer a capacidade em identificar os riscos internos e externos já existentes e os propensos a existirem, implementar normas de ética, conduta, auditoria independente dos processos e treinamento dos agentes”, relata o advogado criminalista.
A falta de adoção de medidas de conformidade para mitigar os efeitos dos ilícitos praticados tanto pela administração privada quanto pela pública, lembra Cruz, traz efeitos devastadores na sociedade e na economia de um país. Ele exemplifica o caso do escândalo da Lava Jato, em que o efeito da corrupção generalizada acabou com prejuízo de bilhões de investimentos públicos, fazendo a economia e o mercado de trabalho desabar.
“Compliance nada mais é do que a ferramenta que as corporações devem adotar no mundo moderno, para que haja um maior desempenho econômico-financeiro e social, pautada na honestidade, competitividade e transparência. As empresas passam a ter maiores responsabilidades sociais, advindas da legislação que asseverou ainda mais as punições, tornando-as cada vez mais responsáveis pelos atos praticados por seus proprietários e gestores, restringindo tal responsabilidade a obrigatoriedade de pagamento de multa e reparação do dano causado”, finaliza Natanael Cruz, que também é consultor e assessor jurídico empresarial e membro da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da Associação Brasileira de Advogados.