Na esteira do crescimento do tema ESG nas organizações, a preocupação das empresas em diferenciar cobranças por metas e assédio moral também vem se tornando mais frequente, à medida que aumentam as denúncias. De acordo com pesquisa feita pela empresa de auditoria IAUDIT, entre 2021 e 2022 a proporção de denúncias relacionadas a assédio moral e agressões cresceu 48,25%, demonstrando o quanto esse tema é cada vez mais sensível nas organizações.
No caso das empresas que valorizam uma cultura organizacional mais agressiva e voltada para resultados, a linha entre metas e assédio moral pode se tornar ainda mais tênue.
“A cobrança por resultados é normal e esperada num local de trabalho, mas precisa ter critérios e evidências claras. Se existe uma cobrança recorrente que seja desproporcional, humilhante ou agressiva, pode se caracterizar o assédio moral”, afirma Daniel Santa Cruz, sócio da Santo Caos, consultoria de estratégias humanas e organizacionais.
De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o assédio moral pode ser interpessoal (de característica individual, pessoal e direta) e institucional (quando a organização incentiva ou é conivente com atos de assédio). Em ambos os casos, é muito importante que as áreas de Recursos Humanos atuem na conscientização das lideranças e colaboradores, e que as denúncias sejam levadas a sério e punidas de acordo com a legislação.
Exigências e cobranças profissionais, por outro lado, não podem ser consideradas assédio moral, pois fazem parte do dia a dia normal de trabalho.
“É papel das empresas deixar clara a diferença entre ter metas e praticar assédio moral. O paternalismo também é prejudicial, pois afeta os resultados e cria uma cultura de jogar os problemas ‘para baixo do tapete’”, pontua Daniel Santa Cruz, da Santo Caos.
Ainda segundo o especialista, ter metas claras ajuda na produtividade, pois permite que todas as pessoas e áreas da organização estejam buscando os mesmos objetivos. Porém, de acordo com a legislação, as metas, prazos e objetivos precisam ser possíveis de serem cumpridos. Caso contrário, podem ser enquadradas como abusivas, além de desmotivar a equipe.
Mas, ao contrário do que dita o senso comum, não é somente de cima para baixo na escala hierárquica que o assédio moral acontece.
“O assédio moral também pode ser horizontal (quando é feito contra colegas de um mesmo nível hierárquico) ou até mesmo ascendente (quando é praticado por colaboradores em relação a um líder, por exemplo)”, aponta a advogada trabalhista Juliana Bardelli.
Mesmo raro, o assédio de liderados para líderes também ocorre, e gera repercussões na vida pessoal e profissional. A relações públicas Adriana* sentiu na pele essa configuração incomum do assédio moral.
“No meu caso, o assédio veio de pessoas que eu liderava. Por ser nova na empresa, tentavam me sabotar, faziam reuniões ‘secretas’ para debater meu desempenho como líder e falavam mal de mim para o meu gestor, sem que eu soubesse”, relata a profissional.
Em casos como estes, é obrigação da empresa acolher a denúncia, dar apoio à pessoa assediada e agir para que o problema seja resolvido, além de capacitar líderes e liderados para evitar e combater o assédio moral.
“Quando a organização não combate o assédio moral, ela corre um sério risco de perder as pessoas que são assediadas, e acaba mantendo em seus quadros pessoas tóxicas que afastam as demais”, sinaliza Daniel Santa Cruz, da Santo Caos.
A advogada Juliana Bardelli ratifica: “A empresa pode também ser responsabilizada, caso seja comprovado que tinha ciência dos abusos cometidos, e que nada tenha sido feito para dirimir ou combater o assédio internamente”. Segundo a especialista, uma forma de a empresa se resguardar é divulgar publicamente, nos canais de comunicação interna da empresa, materiais e campanhas que demonstrem o seu compromisso de combater esse tipo de comportamento.
No caso de Adriana*, por não ter suporte da empresa onde trabalhava, ela acabou buscando outras oportunidades profissionais. E passou a fazer uma investigação profunda sobre a reputação e o dia a dia das empresas, ao se candidatar para novas vagas.
A relações públicas ainda relata ter necessitado de apoio psicológico e psiquiátrico para conseguir lidar com as situações que viveu no ambiente de trabalho. “Depois de um ano e meio que saí daquele ambiente tóxico, ainda tomo remédios para dormir e faço acompanhamento psiquiátrico. Fui diagnosticada com ansiedade, e tenho certeza que o assédio que sofri influenciou nisso”, afirma Adriana*.
Se há um lado positivo em histórias como a de Adriana*, é que falar sobre a relação entre metas e assédio moral vem sendo mais comum, e as denúncias também têm uma probabilidade maior de serem acolhidas conforme o debate sobre o assunto cresce. Ainda assim, há muito o que fazer antes que as empresas em geral possam se definir como locais saudáveis para se trabalhar, livres de todo tipo de assédio e agressão.
*Nome fictício, alterado a pedido da entrevistada.
Website: https://www.santocaos.com.br