Imagine a inusitada situação. A filial italiana de uma empresa de contratação de altos executivos recebe uma solicitação de um importante cliente com sede no Vaticano, em busca de um profissional para ocupar a cadeira de CEO, recém-aberta, devido a surpreendente renúncia do antecessor, já que o cargo era até então considerado vitalício. Devido a importância e urgência da situação, sai em busca de candidatos que atendam aos pré-requisitos, publicando anúncios nas principais revistas e jornais de negócios ao redor do mundo. A versão brasileira seria mais ou menos assim:
CIDADE DO VATICANO – PACOTE ATRATIVO: Nosso cliente, uma das corporações multinacionais mais antigas, sólidas, lucrativas e respeitadas do mundo, busca para ocupar principal posição na hierarquia, profissional com largaexperiência em processos de mudança e quebra de paradigmas, capaz de conduzir reformas internas estruturais profundas, assim como retomar o crescimento e a base de clientes perdidas nas últimas décadas. Carisma,
habilidade de negociação, gestão de pessoas e disponibilidade para viagensinternacionais frequentes, completam o perfil desejado.
Após triagem inicial, chegou-se a uma lista de 115 candidatos que atendiam ao perfil. A etapa final ocorreu na sede da empresa respeitando-se a pompa, ostentação, procedimentos e protocolo do ritual de contratação repetido há
séculos. Não obstante a preferência por europeus e principalmente italianos, o vencedor foi um argentino, surpreendendo a todos, inclusive os brasileiros, com cinco candidatos na disputa. Lá chegando, encontrou o que já esperava. Uma corporação hierárquica, burocrática, lenta, distante dos clientes, com produtos e serviços ultrapassados.
Para traçar um paralelo entre o momento encontrado pelo novo chefe de estado do Vaticano, utilizarei como pano de fundo a teoria do professor Ichak Adizes: ciclo de vida das organizações, a qual compara empresas com seres
humanos, classificando-as em seus diversos estágios: namoro, infância, toca-toca, adolescência, plenitude, estabilidade, aristocracia, burocracia incipiente, burocracia e morte. Ou de uma maneira mais resumida: crescimento, maturidade e envelhecimento.
Crescimento: empreendedores com seus projetos e ideias, estejam no papel ou postos em prática, se enquadram na fase do crescimento, onde sua atuação é fundamental e muitas vezes única. Empresas familiares de pequeno porte e as
atuais startups se encaixam nesta etapa. Com o crescimento, tornam-se grandes demais para que apenas uma pessoa se encarregue de sua operação, abrindo espaço para uma administração profissional com o estabelecimento de
procedimentos, fluxos e metas, porém, sem perder a visão criativa e inovadora que a trouxeram até a plenitude.
Maturidade: manter-se jovem é um grande desafio, sendo a estabilidade comum à maioria. Com expectativas de crescimento modestas, concentram-se nas realizações do passado ao invés de visualizarem o futuro. Há uma desconfiança das mudanças, sendo o objetivo manter o status atual. Com alterações menos frequentes, conflitos internos são reduzidos, aumentando-se a importância das relações interpessoais. Panelinhas, feudos, conflitos de interesse e jogos de poder e política. A empresa pode voltar seu foco para dentro, havendo o risco de diminuição no ritmo de inovações e do espírito empreendedor. Algumas empresas do Vale do Silício podem aqui ser visualizadas.
Envelhecimento: a perigosa aristocracia é também o princípio da decadência.
Alguns padrões comuns de comportamento podem ser observados nestas empresas, os quais serão mais bem explorados em face da semelhança com a situação vivenciada pela Igreja.
· Formalidade e tradição no vestir e no falar;
· Enfatizam-se como as coisas são feitas, não o que é ou por que é
feito;
· Investimentos são realizados em sistemas de controle, benefícios e
instalações;
· As pessoas, individualmente, preocupam-se com a vitalidade da
empresa, porém, enquanto grupo, o lema operacional é não fazer ondas;
· Baixo nível de inovação interna;
· Organização tem dinheiro em abundância.
Apesar da formalidade e tradição no vestir e falar inerentes ao cargo e a instituição, o novo bispo já inova de saída, intitulando-se Francisco em referência a São Francisco de Assis, conhecido por sua simplicidade e dedicação aos pobres. Traduz teoria em prática em sua primeira viagem internacional em solo tupiniquim, conquistando a todos com seu discurso direto, com frases simples, ditados locais, sorriso fácil e estilo despojado, utilizando-se de veículo comum, hospedando-se em local de pouco luxo, carregando sua própria mala e preferindo o contato direto com a população de baixa renda, caminhando pelas ruas com seu surrado sapato preto.
Como homem experiente, tem ciência de que para reconquistar clientes precisará do apoio e do engajamento de toda a estrutura hierárquica, apregoando a seus assessores locais sobre a questão do êxodo de fiéis e da necessidade de um contato próximo e direto, estando mais presente nas ruas, ouvindo suas necessidades e auxiliando em causas reais, ao invés de se enclausurarem dentro de igrejas e monastérios. Sabe que a concorrência por aqui é ferrenha, tendo roubado preciosos pontos de participação de mercado nos últimos anos.
De volta a sede da corporação no Vaticano e longe de fiéis enlouquecidos pelo mais novo fenômeno popular, Francisco precisará se debruçar em planilhas, gráficos, organogramas, demonstrativos de resultados, escândalos e uma série de outros problemas inerentes a empresas aristocráticas. Definir prioridades, estabelecer objetivos de longo prazo, tomar ações de impacto, demitir, promover e substituir são medidas necessárias para que se traga de volta a inovação, o espírito empreendedor e a criatividade, mesmo que à moda da Igreja.
Apesar de mais difícil, é a única saída possível para a Igreja Católica, cujo caminho natural seria a burocracia e a morte. Bastava continuar como estava. A Jorge Mario Bergoglio, o argentino mais brasileiro de que se tem notícia, boa sorte em sua grande missão para o qual foi contratado.
Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.