Falar sobre menstruação ainda pode ser um tabu em muitas regiões do Brasil. Mas um grupo de jovens estudantes do estado do Amazonas decidiu transformar o silêncio em diálogo, a vergonha em empatia e a falta de informação em conhecimento. O projeto “Jaci: Indicador da Saúde Feminina”, um dos 10 finalistas da edição de 2024 do Solve for Tomorrow Brasil, nasceu da escuta atenta de uma realidade comum, mas frequentemente ignorada: os desafios enfrentados por meninas em situação de vulnerabilidade durante o período menstrual na escola.
Quando meninas cuidam de meninas
Tudo começou no final de 2023, quando Marcele de Araújo, ex-aluna da rede pública e participante do programa desde 2022, assumiu a mentoria de um novo grupo de estudantes interessadas em participar da iniciativa. A partir de uma conversa entre amigas surgiu o relato de uma jovem que passou por uma situação constrangedora durante o período menstrual — uma experiência que, como perceberam em seguida, era compartilhada por muitas outras meninas na escola e na comunidade.
Desenvolvido por um grupo de estudantes do último ano participante do Solve for Tomorrow Brasil 2024, a iniciativa usa inovação e empatia para quebrar tabus sobre a menstruação e ampliar o acesso à informação em comunidades da região Norte do Brasil
Com o apoio do professor Galileu da Silva Pires, a equipe da Escola Estadual Nossa Senhora de Nazaré, em Manacapuru, lançou um projeto simples, mas poderoso: instalar um dispenser com absorventes nos banheiros femininos. A ideia inicial evoluiu, ganhando um componente importante de inovação social e tecnologia: a criação de um absorvente capaz de identificar variações de pH. O objetivo era oferecer, além da dignidade menstrual, um indicador preventivo de possíveis alterações na saúde íntima das meninas, como infecções ou desequilíbrios vaginais.
O protótipo propõe um alerta básico por meio de cores (ácido, neutro ou básico), fornecendo um primeiro nível de informação sobre o estado de saúde da usuária. As estudantes também criaram uma história em quadrinhos para ilustrar como usar o protótipo e conscientizar a comunidade sobre a saúde menstrual. Uma segunda edição da HQ será produzida por outras alunas que continuarão o projeto, para seguir ajudando mais meninas na região. “Falar sobre menstruação ainda é um tabu. Então, pensar em um projeto que não só fornece o produto, mas também informação e educação, é muito importante”, afirma Marcele.
Educação com empatia vai além da ciência
Apresentado inteiramente por meninas, o projeto enfrentou desafios dentro da própria escola. Em algumas turmas do ensino fundamental, havia estudantes que nem sabiam o que era menstruação. Segundo Marcele, muitas meninas viviam apenas com figuras paternas, que evitavam ou não sabiam como abordar o assunto. Por isso, o grupo desenvolveu uma estratégia de educação e apoio que vai além da tecnologia, com palestras separadas para meninas e meninos, abordando tanto os aspectos biológicos quanto questões de empatia e respeito.
“Uma das meninas contou que teve a primeira menstruação em um barco e ficou tão envergonhada que não queria mais estudar”, relembra Marcele. “Tivemos que conversar, apoiar e explicar que é algo normal. Isso nos tocou muito”. Ao longo da jornada, histórias como essa se tornaram combustível para que o grupo continuasse expandindo o projeto para outras escolas e comunidades da região.

Levando o Jaci para todas
Mais do que desenvolver um produto, o projeto Jaci representa um avanço na visibilidade da saúde feminina em ambientes escolares. Também destaca a importância da representatividade feminina e do combate à pobreza menstrual por meio da ciência, da educação e da tecnologia, promovendo transformação social com escuta ativa e engajamento local.
A experiência no Solve for Tomorrow também teve um impacto direto no desenvolvimento pessoal de Marcele. “Antes, eu era muito tímida. Apresentar o projeto me ajudou a ganhar confiança e a enxergar um futuro diferente para mim e para minha cidade”, afirma.
Agora, o grupo segue comprometido com a missão de levar informação, dignidade e saúde a outras comunidades da região Norte do Brasil. O plano é dar continuidade ao projeto em escolas públicas, ampliar o alcance das palestras e concluir a pesquisa sobre o absorvente que mede o pH. “Tenho orgulho de ver que, pouco a pouco, conseguimos quebrar o tabu e transformar a realidade das meninas da nossa comunidade — e além”, diz Marcele. “Inclusive, uma menina de Minas Gerais entrou em contato com a gente para agradecer pela iniciativa, que foi significativa para ela”.
Para saber mais sobre o Jaci, siga a página do projeto no Instagram.
Imaqem destacada: Alunas do projeto Jaci, um dos finalistas da 11ª edição do Solve For Tomorrow Brasil