Pesquisadores pretendem mapear a diversidade microbiana existente nos solos onde já é cultivada cana-de-açúcar em São Paulo
O Estado de São Paulo já possui mapeamentos físicos e climáticos que apontam as regiões com melhores aptidões ambientais para o cultivo da cana-de-açúcar. No entanto, ainda não dispõe de um mapa microbiológico que indique, por exemplo, áreas com composição microbiana do solo mais propícia para o desenvolvimento da cultura de maior importância agrícola do Estado.
Um projeto de pesquisa, realizado por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), com apoio da FAPESP no âmbito do Programa de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), pretende mapear a diversidade microbiana existente nos solos onde já é cultivada cana-de-açúcar em São Paulo.
O projeto foi apresentado durante o “NWO-FAPESP-CNPq Joint Workshop for developing researchs collaborations”, realizado nos dias 19 e 20 de junho na sede da FAPESP, em São Paulo.
Promovido pela FAPESP juntamente com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a The Netherlands Organization for Scientific Research (NWO), o objetivo do evento foi fortalecer a colaboração em pesquisa entre cientistas do Brasil e da Holanda para realizarem projetos conjuntos relacionados à bioeconomia em áreas como a resiliência de sistemas de produção agrícola, na qual se enquadra o projeto que está sendo realizado por pesquisadores da Esalq.
Iniciado em 2011, o objetivo do estudo é mapear os grupos de microrganismos existentes nos solos onde há cultivo de cana-de-açúcar em São Paulo, correlacionando-os com fatores como o tipo de manejo da cultura, aspectos climáticos, como umidade e temperatura, e tipo de solo.
Com base nos dados microbiológicos obtidos pelos pesquisadores será possível estimar se uma determinada região apresenta maior incidência de determinados grupos de microrganismos e, em função disso, demanda menos fertilizantes.
Ou se manter a palha da cana-de-açúcar na superfície da plantação da cultura após a colheita induz o crescimento de certos grupos de microrganismos no solo que auxiliam no desenvolvimento da planta, suprindo-a com nutrientes, ou que a tornam mais resistente a pragas e doenças agrícolas.
“A ideia central da pesquisa é, com base no conhecimento da microbiologia do solo, poder indicar tipos de manejo que induzem o crescimento de determinados microrganismos que ajudam a planta a se nutrir e crescer, estimulando o recurso natural da área”, disse Fernando Dini Andreote, professor da Esalq e coordenador da pesquisa, à Agência FAPESP.
De acordo com Andreote, calcula-se que existam entre 15 mil e 30 mil espécies diferentes de microrganismos no solo, que variam de acordo com fatores como o tipo de clima, do solo, da existência ou não de floresta e plantações e do manejo da terra.
Para estimar quais grupos de microrganismos estão presentes nas áreas de cultivo de cana-de-açúcar em São Paulo, entre fungos, bactérias e outros, os pesquisadores coletaram 440 amostras de 10 talhões (uma espécie de quarteirão) de cana de 11 diferentes regiões no Estado (do extremo norte ao município de São Manoel, próximo a Piracicaba), que possuem diferentes temperaturas, tipos de solo, incidência de chuva e são manejadas de diversas formas, como por colheita mecânica ou queima da cana.
As amostras foram analisadas pelo método sem cultivo, em que é extraído e sequenciado o DNA de todos os microrganismos presentes na porção de solo coletado em trabalho de campo para quantificar as células de cada grupo de microrganismo na região, que podem chegar a 1 bilhão de células por grama de solo.
A análise físico-química das amostras ainda não foi concluída, mas os primeiros resultados das avaliações dos grupos de bactérias e fungos, que estão mais adiantadas, indicam que há variações dos grupos de acordo com a área investigada.
“Ainda não fizemos a análise estatística para podermos afirmar que um determinado tipo de cultivo induz o crescimento de um grupo de bactéria ou fungo. Mas já sabemos que há variabilidade dos grupos de microrganismos nas regiões analisadas, que iremos verificar se corresponde ou não a uma variação biológica”, disse Andreote.
Microbioma humano
Segundo Andreote, que realizou doutorado-sanduíche e parte de sua graduação e do pós-doutorado na Holanda, as pesquisas sobre a estruturação da comunidade microbiana espacialmente, correlacionando-a com aspectos como o clima, estão mais consolidadas em países como Estados Unidos, França, Inglaterra e Alemanha, mas ainda são incipientes no Brasil.
Entre os fatores que Andreote atribui para a escassez de estudos nessa área no país está o custo do método sem cultivo de análise de DNA de microrganismos, que era muito alto e em função disso possibilitava analisar poucas amostras.
O novo método é muito mais confiável para quantificar microrganismos do que a metodologia por cultivo de bactéria, fungo ou arqueia em laboratório, que só consegue representar menos de 1% de um microbioma.
Com o barateamento da metodologia e a ampliação da possibilidade de sequenciamento do DNA nos últimos anos, tornou-se possível sequenciar uma quantidade muito maior do gene do ribossoma de microrganismos e realizar mapeamentos microbiológicos como o do corpo humano, que acabou de ser concluído e publicado nas revistas Nature e PLoS por pesquisadores dos National Institutes of Health (NIH), nos Estados Unidos.
“Uma das descobertas interessantes desse mapeamento do microbioma humano é que os grupos taxonômicos de microrganismos variam bastante, mas as funções deles são muito estáveis, ou seja, são as mesmas. E pretendemos verificar se isso também ocorre com os microrganismos que existem no solo”, contou Andreote.
Os pesquisadores estão complementando os dados e realizando as análises estatísticas das amostras para começar a gerar os primeiros mapas microbiológicos e tentar verificar se há uma distribuição espacial dos grupos de microrganismos em macro ou microescala.
Se forem identificadas as mesmas comunidades microbianas no solo de duas regiões do Estado de São Paulo, como São José do Rio Preto e São Manuel, em que a cana-de-açúcar é manejada da mesma forma, será possível determinar que o manejo é o fator mais importante para a ocorrência de um determinado grupo de microrganismos do que a distância.
Por outro lado, se for observado que as comunidades microbianas são estruturadas pela distância, será possível afirmar que elas apresentam uma biogeografia (distribuição espacial) em ampla escala, como ocorre com as espécies de animais e de plantas.
“O mapeamento irá possibilitar a realização de análises integradas para determinar com maior assertividade as regiões em que pode se plantar cana-de-açúcar em São Paulo”, estimou Andreote.
De acordo com o pesquisador, quando for concluído, o mapeamento microbiológico de solos, que deverá ser disponibilizado na internet, poderá ter sua utilização expandida para outras culturas, que não apenas a cana-de-açúcar, além de para outras áreas para as quais a própria cana está caminhando em direção, como Mato Grosso e Goiás.
“Os zoneamentos agroclimáticos do Estado de São Paulo apontam a existência de duas regiões onde a cana-de-açúcar é manejada de formas diferentes. Na análise microbiológica, não sabemos quantas áreas aptas para o cultivo da planta vamos identificar”, disse Andreote.
Agência FAPESP, em 25/06/2012