Se por um lado a mudança de paradigmas no ambiente corporativo, causada pela pandemia, gerou benefícios no que se refere à economia de tempo com deslocamentos, redução de custos estruturais e maior flexibilidade de horários, por outro, as questões relacionadas à saúde mental de trabalhadores permanecem um desafio e merecem ainda mais atenção nesse contexto de “novo normal”.
Conforme dados da Previdência Social, os transtornos mentais e comportamentais foram a terceira maior causa de afastamento do trabalho, entre 2007 e 2020, período em que foram registradas 2,7 milhões de licenças médicas. Em 2020, houve um recorde na concessão de auxílio-doença: foram mais de 285 mil, o que corresponde a um crescimento de 33,8% em relação ao ano anterior.
Assédio moral no ambiente de trabalho: antes e depois da pandemia
No topo das causas dos transtornos mentais em trabalhadores está o assédio moral, caracterizado principalmente pela exposição de trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas. De acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao longo de 2019 e 2020 foram registrados 12.349 processos de assédio sexual e 12.529 de assédio moral. Já em 2021, foram computados 3.049 e 52.936 casos, respectivamente.
De acordo com a Auditora-Fiscal do Trabalho e Doutora em Direito, Luciana Baruki, um dos possíveis fatores que contribuem para esse aumento é a falta de limites da gestão em relação a uma suposta alta disponibilidade do colaborador. “Com a ausência de limites físicos bem delimitados as pessoas passaram a não conseguir identificar com clareza o que é aceitável ou não nas relações de trabalho”, aponta a especialista.
Horários de trabalho que vão muito além do contratado, e-mails, ligações e até reuniões após o expediente se tornaram comuns e vistas como normais. Porém, esse excesso de disponibilidade e conexão deteriora as relações de trabalho, bem como a saúde de quem trabalha e passa a sofrer com transtornos mentais. “Algumas práticas, ainda que usuais ou aparentemente inofensivas, acabam de alguma forma prejudicando o clima organizacional e trazendo prejuízos para o indivíduo”, reforça.
Riscos psicossociais e o meio ambiente do trabalho digital
Autora do livro Riscos Psicossociais e Saúde Mental do Trabalhador, a Dra. Luciana Baruki é especialista no tema e alerta ainda para o impacto negativo da falta de contato presencial até para quem prefere trabalhar de forma remota. “O reconhecimento do trabalho se torna mais difícil nesse “novo normal”, exatamente porque a apreciação de um trabalho bem-feito é também percebida em gestos e expressões”, comenta a Dra. Luciana.
“O ambiente digital torna o trabalho mais rígido e com menos espaço para a criatividade dos processos colaborativos”, complementa.
A especialista também destaca que esse panorama gera insegurança no trabalho, o que pode resultar em: Síndrome de Burnout, depressão, transtorno do pânico, transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) e transtorno de ansiedade generalizada (TAG).
Práticas abusivas nas relações de trabalho e suas consequências para a saúde mental
As práticas abusivas prejudicam a saúde do trabalhador porque são injustas e desproporcionais. “Comportamentos inadequados e regras descabidas, como aquelas que não trazem benefício direto para o empregador, e ainda dificultam a vida de quem trabalha, representam uma grande fonte de exposição ao estresse crônico”, explica Luciana.
Em live no perfil @assedionet, no Instagram, a psicóloga Daniela Queiroz, especialista em psicologia positiva, aponta os principais sinais de adoecimento mental relacionados a um ambiente de trabalho estressante: irritabilidade, distúrbios do sono, desânimo, baixa produtividade, compulsão alimentar, baixa tolerância à frustração e crises de choro.
Como mudar esse panorama?
Com o intuito de reconhecer os direitos de todas as pessoas a um ambiente de trabalho livre de violência e assédio, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou o primeiro tratado internacional sobre violência e assédio no mundo do trabalho – a Convenção 190 (C190) e a Recomendação 206, ainda não ratificada no Brasil.
Os estados que ratificarem a convenção estarão obrigados a criar medidas específicas de fiscalização, levando em consideração o artigo 9 do documento que indica ações essenciais para tornar o ambiente de trabalho mais saudável e igualitário.
Entre elas, indica:
– a participação ativa dos trabalhadores no desenvolvimento e implementação de uma política sobre violência e assédio no local de trabalho;
– a contemplação dos riscos psicossociais no trabalho, incluindo o assédio, a discriminação e a violência de qualquer tipo na gestão da segurança e saúde no trabalho, bem como o monitoramento desses riscos e aplicação das medidas necessárias, com a participação dos trabalhadores;
– o fornecimento de informações e treinamento sobre o tema, em formatos acessíveis e apropriados aos trabalhadores e a outras pessoas interessadas.
Para denunciar internamente, o trabalhador pode acionar o Ombudsman, setores de Recurso Humanos, Gestão de Pessoas, assim como canais exclusivos da organização. No caso de trabalhadores celetistas, as denúncias devem ser encaminhadas para a Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho.
Como Auditora Fiscal do Trabalho, a Dra. Luciana ressalta igualmente a importância da criação de espaços seguros para denúncias e condições para o acolhimento e proteção dos denunciantes.
Para mais informações, basta acessar www.assedio.net
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