A recente polêmica sobre a máquina de espionagem americana trouxe à tona a dimensão e o tamanho da operação de coleta de dados que sistematicamente os EUA, por meio de suas agências de inteligência e diversos softwares, vêm
implementando ao longo de décadas. Estima-se que quase um milhão de pessoas trabalhem em atividades de espionagem cibernética só nos EUA, segundo informações da imprensa mundial.
A atividade de espionagem não é novidade na história humana. Em verdade, é tão antiga que se perde nas brumas das mais antigas civilizações. Entretanto, o que mais causa espanto no escândalo Snodew é que cidadãos comuns tinham (e tem) suas comunicações de e-mails e telefônicas, interceptadas – fato que viola o direito fundamental garantido pelo estado democrático de direito, a privacidade. O direito à privacidade está intimamente ligado a outro direito, o da liberdade, que é sem dúvida o mais importante de todos.
Assim sendo, desde a antiguidade o direito à liberdade sempre foi aviltado pela vida em sociedade – seja por regras sociais, religiosas, morais e econômicas, seja pela própria limitação da condição humana. Nesse contexto, historicamente, concluímos que aqui no Brasil nunca tivemos tanta liberdade de expressão e informação, conquista esta que deve ser preservada.
Mas, o que fazer quando esse direito é usurpado por um outro Estado, que não está sujeito as regras brasileiras? O direito internacional público, que regulamenta a relação entre Estados, possui tribunal para solucionar controvérsias decorrentes a esse tipo de violação. O fato é que a matéria da espionagem cibernética não está regulamentada e as provas para instrução de um processo vão além do depoimento de agentes dissidentes foragidos e matérias jornalísticas.
Penso que um efeito perverso da tecnologia da informação tenha sido a globalização da espionagem, posto que o mundo, cada dia mais está se tornando um reality show. Considerando que qualquer sistema de informação pode ser violado ou adulterado, onde termina o real e começa o virtual?
Falando de liberdade, até que ponto de fato somos livres? No caso brasileiro, que vive sob a égide de um governo democrático há quase 30 anos, período recente para a história, ainda somos acometidos pela vertigem da liberdade. Alguns de nós se perguntam: livres de que? Ou ainda: livres para que? Em qual medida efetivamente nosso povo tem consciência que quanto maior a liberdade, maior a responsabilidade? Eis a questão.
O caso Snodew suscita o debate que a verdadeira liberdade do cidadão, em qualquer lugar do planeta, será sempre relativa. Num certo sentido a própria liberdade é uma ilusão. Também para o aborígene que vive em liberdade selvagem, pois pesa sobre ele a relatividade da liberdade decorrente da condição humana e suas limitações.
Penso que a humanidade está amadurecendo para essas e outras questões, cuja aparente tranquilidade pairava outrora. Em sendo a informação um bem intangível, paira sobre ela a subjetividade, considerando-se que um mesmo
email ou conversa pode ser interpretado de diversas maneiras dependendo do agente.
Assim sendo, penso que a overdose de informações dos EUA, possa, num certo sentido, causar desinformação e um certo alienamento da realidade. Afinal de contas o que é realidade, posto que, quanto mais se julga conhecê-la mais
iludido se está? Ao que parece, se perderam no próprio labirinto que criaram.
Enquanto isso, a nós cidadãos comuns, compete gozarmos a única liberdade que desde sempre nos é facultada e dificilmente será revogada. A liberdade do pensamento! Nos deliciemos com ela, silenciosamente, posto que há câmeras, microfones e ouvidos por todos os lados.
Parafraseando Victor Hugo, novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês: Tenha coragem para as grandes adversidades da vida e paciência para as pequenas, e quando tiver
cumprido laboriosamente sua tarefa diária vá dormir em paz. Deus está acordado.
Dane Avanzi é advogado, empresário do Setor de Engenharia Civil, Elétrica e
de Telecomunicações. É Diretor Superintendente do Instituto Avanzi, ONG de
defesa dos direitos do Consumidor de Telecomunicações