Brasília – Diferentemente do que mostram as longas e árduas investigações da série de televisão norte-americana CSI, a identificação de uma impressão digital, palmar ou da planta dos pés é suficiente para solucionar um caso policial. Isso porque, muitas vezes, o vestígio pertence a uma pessoa que não tem acesso legítimo ao local do crime, e a comprovação de que ela esteve ali facilita imensamente o trabalho dos investigadores. No entanto, nem sempre o autor é alguém desconhecido das vítimas, e as impressões encontradas são todas de indivíduos que costumam ir ao local. Nessas situações, a investigação tende a se complicar, e a informação sobre o momento em que determinada impressão foi marcada na cena — antes, durante ou depois do crime — pode ser crucial para elucidar a história.
Brasileiros apresentam em revista internacional estudo sobre técnica que permite medir há quanto tempo uma marca das mãos ou dos dedos foi feita. A metodologia surgiu durante a investigação de um crime em Brasília
Foi um desses casos que chegou, em 2009, à equipe do Laboratório de Perícia Papiloscópica do Instituto de Identificação da Polícia Civil do Distrito Federal (II-PCDF). Ao investigar o homicídio do ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela, de sua mulher e da empregada da casa, os responsáveis pelo caso não acharam nenhuma impressão digital estranha. Chegou-se, então, à necessidade de confirmar quando a marca de uma palma da mão havia sido feita em um móvel do apartamento, na 113 Sul, em Brasíia (DF). O objetivo era descobrir em qual período o dono daquela impressão palmar tinha passado pelo local. Frente a esse desafio, o papiloscopista brasiliense Rodrigo Meneses de Barros, que ficou encarregado da missão, desenvolveu um método para chegar à resposta. Replicada em um experimento na Universidade de Brasília (UnB), a técnica foi descrita na última edição da respeitada revista forense internacional Science and Justice.
A demanda era nova para o laboratório. O grupo se reuniu e buscou, na bibliografia especializada, apoio científico para a análise. Um dos trabalhos mais expressivos sobre o tema é o da cientista Krystyna Baniuk, publicado na Forensic Science International em 1990. Segundo ela, as cristas observadas em uma impressão sofrem uma redução de espessura com o passar do tempo, fenômeno que pode ser detectado com microscópio. O conjunto de cristas e sulcos é deixado por uma secreção da pele sobre o objeto tocado. Na palma das mãos e dos pés, está presente somente a secreção originária de glândulas sudoríparas. No restante do corpo, glândulas sebáceas também produzem um resíduo.
“Uma impressão digital é uma mistura de secreções, já que estamos constantemente levando a mão a diversos locais do corpo, como o rosto e o cabelo. É essa mistura que sofre alterações com o tempo”, explica Barros. As modificações contribuem para a diminuição registrada na largura das cristas. “Outra característica que analisamos foi o percentual de cristas visíveis. Elas se tornam menos nítidas e algumas desaparecem”, completa.
O trabalho da pesquisadora pioneira também abria a possibilidade de analisar a evolução de impressões digitais em laboratório, recriando as condições da cena do crime.
Com esses dados à disposição, a equipe da PCDF partiu para as análises. Novas impressões do suspeito foram colhidas e armazenadas em uma câmara climatizada, que replicava as condições ambientais encontradas no apartamento. Registros das mudanças nas características das digitais foram feitos diariamente. As marcas levadas ao laboratório foram, então, comparadas com a da impressão achada na cena do crime. Isso deu uma boa estimativa de quando aquela mão havia se apoiada no móvel – portanto, de quando o suspeito havia estado no apartamento onde os Villela foram mortos. Sem revelar qual foi o resultado da análise, Barros diz que o estudo foi muito bem-sucedido.
Na Academia
A experiência positiva foi levada à academia. O especialista apresentou um estudo sistematizado dessa metodologia como dissertação de mestrado na Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília em março. Para isso, precisou repetir os experimentos, com uma nova equipe, formada pelas pesquisadoras Bruna Faria e Selma Kuckelhaus, que também assinam o artigo publicado na Science and Justice.
Vinte voluntários, sendo 10 mulheres e 10 homens, permitiram que suas impressões digitais fossem colhidas. O material foi, em seguida, mantido sob condições ambientais controladas. Um estudo morfométrico foi realizado nas marcas, utilizando um pó magnético que torna os detalhes mais visíveis, em sete diferentes intervalos de tempo após deposição: zero, cinco, 10, 15, 20, 25 e 30 dias. As avaliações consideraram um número de 60 cristas para cada digital.
“Em um período de 30 dias pudemos observar diferenças bastante significativas. Os atributos de largura das cristas e o percentual de cristas visíveis tornam possível fazer uma estimativa de quando foram depositados os vestígios”, afirma Barros.
Condições certas
O especialista técnico Nadiel Dias, diretor adjunto do Instituto de Identificação da PCDF, ressalta que essa técnica não pode ser usada em todos os casos. Uma impressão digital encontrada no teto de um veículo, por exemplo, não é passível dessa metodologia, já que ela pode sumir em pouquíssimo tempo, dependendo da temperatura do local e a que condições foi exposta.
Para desenvolver esse tipo de trabalho, as condições e o local em que os vestígios foram encontrados precisam ser reproduzidos em laboratório. “O ambiente precisa dar boas condições. Se houver um local totalmente exposto ao sol, ele não é passível de ser reproduzido”, exemplifica Dias.
Geralmente, um ambiente interno protegido da chuva e da incidência direta do sol é o ideal para essa análise. “Se fizermos um experimento desse na Polônia, por exemplo, as condições são outras, porque, no frio, a bactéria que atua nesse processo não se reproduz da mesma forma. Tudo influencia, por isso deve sempre ser feito um novo experimento, no qual são reproduzidas as condições do local onde foi cometido o delito”, conclui o pesquisador.