Como acontece em todas as grandes tragédias ou calamidades, a pandemia da covid-19 fez com que as pessoas passassem a ouvir e a aprender termos novos. Um deles, presente em matérias nos jornais, entrevistas e até nas conversas de família é o RNA mensageiro (mRNA).
Até então, pouco conhecido fora dos círculos da biologia, o ácido ribonucléico (ou RNA) ganhou as manchetes. Ele é a molécula usada nas vacinas da Pfizer/Biontech e da Moderna, cuja tecnologia desenvolvida para combater o novo coronavírus tem o potencial de revolucionar o tratamento de algumas doenças severas para as quais até hoje a medicação é pouco eficiente, como alguns tipos de câncer, doenças cardíacas, Alzheimer e Parkinson.
O método revolucionário e promissor do uso do RNA em vacinas é relativamente simples. As células leem instruções presentes nas moléculas de mRNA para produzir proteínas. Assim, por meio da molécula, é possível controlar o que as células produzem. Essa é a regra, os vírus de RNA, como o próprio SARS-CoV-2, dominam as células para fazer mais cópias deles mesmos.
A técnica, criada pela húngara radicada nos EUA, Katalin Karikó, imita esse processo, porém carrega informação apenas para uma proteína viral específica. No caso atual, o da covid-19, a chamada proteína S da espícula do vírus. Assim, ela garante que só essa proteína será produzida. O mRNA é rapidamente degradado depois do uso, não gerando resíduos e também não há como ele chegar ao genoma celular, porque o RNA não entra no núcleo, onde está o DNA.
O RNA instrui as células a fabricar uma versão da proteína desencadeando um processo de proteção do sistema imunológico. A vantagem é que faz isso sem usar o vírus atenuado ou inativado, como nas outras técnicas de produção de vacinas, e que é menos eficiente para induzir a formação de anticorpos.
Feijão vacinado e vida longa às abelhas
O método de RNA abre um novo e promissor caminho para a indústria farmacêutica, que pode tornar mais barato e rápido o desenvolvimento de vacinas e tratamentos. Com ele, não há mais necessidade de cultivar o vírus (e correr os riscos associados a isso) e basta montar outro mRNA para atacar outro vírus e, portanto, outra doença.
O uso da nova tecnologia já foi aprovado para tratamento de outras quatro doenças genéticas e estão em estudo muitas outras. E deve ir além da área de saúde, trazendo solução para problemas que enfrentamos em outros setores. A tecnologia de RNA vem sendo testada, por exemplo, como um pesticida capaz de atingir um alvo específico de forma ecologicamente correta. Ou seja, pode causar disrupção também na agricultura.
Usando a molécula de RNA para desativar genes de um microrganismo, por exemplo, cientistas conseguiram eliminar pragas que atacam o mamão papaia e o feijão. Com uma técnica chamada de interferência de RNA, foram criadas espécies geneticamente modificadas naturalmente resistentes às pragas. É como se as plantas já nascessem vacinadas.
Essa técnica vem sendo usada ainda para inativar um gene do ácaro que ataca abelhas e que causa o colapso das colmeias prejudicando todo o ecossistema. Os pesquisadores desenvolveram um pesticida à base de RNA, que é usado para alimentar abelhas operárias. O mel com RNA produzido por elas serve de alimento para as larvas e, consequentemente, para os ácaros.
A biotecnologia está por trás também da produção de carnes à base de plantas que são muito similares à carne de verdade e que vêm se multiplicando nas gôndolas dos supermercados. O segredo delas é uma proteína fabricada por leveduras modificadas, que garante aquela textura especial à carne de planta, que parece até sangrar, como a original.
Apesar de todos os problemas, dificuldades e perdas que a pandemia da covid-19 impôs ao mundo, ela foi o motor de alguns importantes avanços que ainda devem trazer muitas conquistas e mudar o futuro de todas as pessoas.