Como é praxe em campanhas eleitorais, candidatos de vários naipes passam a invocar, com regularidade, a palavra ética, empregando-a preferencialmente contra os adversários e, mais raramente, utilizando-a para definir o próprio compromisso em relação à futura atuação, caso vençam nas urnas. Embora o excesso de repetição tenda a desgastar ou banalizar o significado de uma palavra, a ética parece resistir impávida e vem se transformando em referência para a decisão de voto de mais e mais brasileiros. Melhor ainda, a pressão pela ética espraia-se pelo tecido social, passando a ser requisito no mundo corporativo, tanto na condução dos negócios quanto na atuação do profissional e nas relações com os consumidores.
Definida, por derivação do conceito filosófico original, como o conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral do indivíduo, de um grupo social ou do conjunto da sociedade, ao emergir poderosa no cenário nacional a ética suscitou e continua a suscitar ações da sociedade civil organizada. São exemplares as campanhas contra a candidatura de políticos “ficha suja”, a impunidade ao desvio de dinheiro público, as falhas da Justiça e até mesmo a selvageria que impera no mercado financeiro mundial, dominado pela sede de lucro a qualquer preço. No Brasil, a pressão da sociedade já resultou em dois avanços muito positivos: a Lei da Ficha Limpa (Complementar 135/2010) e a Lei Anticorrupção (nº 12.846). Para dar mais alento aos brasileiros que sonham com um país mais sério no trato da coisa pública, adicione-se o maciço apoio da sociedade às decisões judiciais que puniram políticos e grandes empresas envolvidas em denúncias de corrupção.
São sinais promissores que apontam para a percepção da ética como um dos valores indispensáveis à construção de uma nação moderna, voltada à democracia, ao desenvolvimento sustentável, à qualidade de vida de seus habitantes e à correção de vergonhosas desigualdades. Apesar de aparentes retrocessos – decorrentes da leniência de certas sentenças judiciais e da infinidade de recursos propiciados por normas processuais obsoletas – essa perspectiva indica que há espaço para o surgimento de uma nova geração de candidatos que considerem o bem comum como o objetivo maior da atuação política, abalando a tradicional prevalência do interesse pessoal e da conquista do poder a qualquer preço.
A crescente valorização da ética pela sociedade, somada ao rigor da nova Lei Anticorrupção, deverá balizar o comportamento no mundo corporativo. Assim, é ilustrativo o exemplo de consumidores dispostos a pagar mais caro por produtos social e ambientalmente corretos. A ética, como se depreende de tais posturas exemplares, está indissoluvelmente ligada à cidadania e esta, por sua vez, é decorrência quase natural da educação, entendida em seu sentido mais amplo e nobre. Em outras palavras, se é verdade que ninguém nasce cidadão, também é verdade que todos podem ser tornar cidadãos desde que tenham acesso à educação. O processo de formação e a prática cidadã podem – e devem – ter início na família, continuar na escola, espelhar-se no exemplo dos homens públicos, invadir a trajetória profissional e prosseguir ao longo da vida.
Percebe-se aí, portanto, a importância de vincular os ensinamentos teóricos a exemplos de posturas éticas, em especial aqueles transmitidos às novas gerações nas fases da vida em que estão mais abertas à aquisição de valores e princípios, isto é, na infância e na adolescência. Apenas como ilustração: em que adulto se transformará um garoto que vê o pai subornar o policial quando pego em infração de trânsito ou, à mesa do jantar, se vangloria de fraudar o fisco ou lesar seus clientes? Em que adulto se transformará o aluno prejudicado pelas péssimas aulas ministradas por um professor campeão de faltas ao trabalho, displicente e que, no exame final, aprova a classe inteira, por comodismo? Em que profissional se transformará o trainee ou o estagiário que observar seu gestor praticar atos prejudiciais à empresa, para deles retirar proveito pessoal? O que esperar do brasileiro bombardeado diariamente pelas mentiras, manobras escusas, atos de compadrio e outros abusos de poder praticados por autoridades? Certamente, não serão cidadãos com a qualidade que todos desejamos para o País, agora e no futuro.
Para a depuração dos valores distorcidos que ainda prevalecem em largos segmentos da sociedade, não é possível ignorar a responsabilidade de cada um, principalmente daqueles que tiveram a sorte de ser moldados desde a infância e juventude pelo figurino da ética e se esmeram em cultivar sua prática. A esses, não é mais permitido o conforto da omissão e do simples protesto. A eles – candidatos ou eleitores –, pede-se uma ação mais efetiva já nas próximas eleições, uns com a correta decisão de votos e outros com o compromisso de uma atuação, na vida pública, verdadeiramente republicana e voltada para o bem comum.
*Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente do Conselho de Administração do CIEE/SP e da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ).